Monday, December 31, 2007

2008

2008 vai ser um ano de mudança. Com o seu quê de continuidade, claro está, mas, ainda assim, talvez um dos anos de maior ruptura que posso esperar.

Hoje não estou para discursos. E, em vez de desejos, tracei antes 12 objectivos. Se se concretizarão é uma coisa que não posso saber com esta antecedência: ainda assim, sendo objectivos, dependem muito mais de mim do que da sorte (da qual eu serei uma eterna desconfiada).
Ora, portanto...

1- Entrar na Universidade (primeira opção e primeira fase);
2- Gostar do curso, adaptar-me, ter notas decentes, arranjar casa (mantê-la arrumada), sobreviver às praxes, começar a construção de uma vida independente sem grandes dificuldades;
3- Obter o DELE (Diploma de Espanhol como Língua Estrangeira) de Nível Inicial com boa nota;
4- Um bom percurso no Parlamento dos Jovens;
5- Uma boa Academia de Verão (U.A.) + (muitos) Encontros de Sainettes;
6- A viagem;
7- Muitas tardes no Alfa, com a dona Sandrina (bem como em todos os outros cafés que hei-de aprender a frequentar);
8- Muitas viagens de comboio (e teatros, musicais, concertos, exposições, compras..!);
9- Muita inspiração (que, como se nota, tem feito falta) + comentários no blog (já agora…) + muitos textos escritos com a Ju, a Sarinha e o João;
10- Galé (e isto com uma lagrimazinha de saudade ao canto do olho) + Aveiro;
11- Ajudar a que as actividades da Associação de Estudantes (AEEBSO) dêem certo;
12- Muitas visitas à patinagem, noites em casa da Princepeza (e o que lhes está inerente), muitos livros bons, chocolate quente, muitos filmes de chorar do princípio ao fim, abraços grátis, abraços de borla, abraços (simplesmente), comoções, emoções, risos, gargalhadas, sorrisos. Lágrimas (por coisas boas), mimos, telefonemas engraçados, mensagens simpáticas, dedicatórias sentidas, galões e pães com chouriço, pessoas novas (aos montes), experiências novas (aos montes), chá, visitas de estudo, reencontros (com pessoas que não vejo há muito tempo e com algumas das que estão mesmo ao meu lado), uma passagem de ano tão boa como suponho que esta vá ser, apreender a tocar viola em condições, participar no espectáculo de ballet, apreender, divertir-me, amadurecer.

Estar muito tempo com as pessoas de quem gosto. Ser feliz.
Sejam também.

Friday, December 21, 2007

Cavalinho

De tempos a tempos, sinto uma súbita vontade de andar de triciclo. Subo ao sótão, transporto-o escada a baixo e sento-me nele, de olhos fechados. Roo as unhas até ao sabugo (latejam, latejam!) e deixo o tempo voltar para trás, em câmara lenta. Não gosto de tudo o que foi a minha infância – ainda assim, sinto uma falta terrível da minha visão do mundo. Agora, cresci e, paralelamente, cresceu também o desencanto. O triciclo é o meu elo de ligação com o passado. Transporta-me para o tempo em que os prédios eram monstros altos, em que existiam fadas, em que com ervas do campo todas as doenças eram curáveis e em que as luzinhas da árvore de natal eram mágicas.
É preciso ver que, nesse tempo, o meu triciclo era muito mais do que um brinquedo de plástico: na verdade, ele era um cavalo. Ou, melhor dito, um pónei. A minha capacidade de transformar a realidade era tão grande quanto a destreza dos meus dedos no que tocava a desmanchar tranças. Era só começar: a partir daí, quase nem me apercebia do que estava a acontecer.

Gostava de voltar a ter essa capacidade. Sinto-me roubada pelo crescimento: está-me a tirar muito mais do que o que me dá. Ou, talvez, as minhas expectativas de criança fossem muito elevadas. Seja como for, sinto falta. E as minhas pernas já não cabem no triciclo: o pónei, felizardo, é da Terra do Nunca – não cresce – e já mal aguenta o meu peso.

Fotografia: http://olhares.aeiou.pt/part_child_half_me/foto1639897.html

Monday, December 10, 2007

No carro

Estou no carro. As árvores passam a grande velocidade, transformadas em manchas de cor e movimento que os meus olhos não conseguem isolar e individualizar. De tempos a tempos, uma casa, um carro, uma pessoa à beira da estrada. São elementos que não ficam nem marcam: existem, simplesmente, tal como eu, e sei-o porque os vejo através do vidro do carro.
Cá dentro, está quente (tenho a sofage ligada). O termómetro, no vizor em frente ao volante, oscila entre os 3 e os 5 graus centígrados, o que significa que, lá fora, está frio. Será que as árvores o sentem? Estou numa realidade à parte, estagnada. O Mundo gira e passa por mim, ignorando-me e não se dignando, nem por mera questão de cortesia, a abrandar.
Ligo o rádio e deixo que a música ténue se sente nos bancos vazios. Largo a voz que, aos altos e baixos, tenta acompanhar a do cantor. Uma nota mais aguda rouba-me o fôlego. Travo a fundo e fecho os olhos.

Nota: Naturalmente que o que está em movimento é o carro – e, consequentemente, eu mesma. No entanto, não é isso que os sentidos nos dizem. Reiterando o óbvio, Alberto Caeiro foi um génio.

Tuesday, November 27, 2007

Na sala

Sentei-me no chão da sala com as pernas cruzadas e um copo de chá à frente. Encostei as costas à parede, deixei tombar a cabeça para trás e fechei os olhos. São horas de me dar tempo, de aceitar as férias de vida que me são impostas. A porta da sala e vão entrando pessoas. Entrando não! – Desfilando. Vão passando pessoas do quotidiano, com conversas banais e de segundos que, no instante seguinte, se desvanecem no ar. As pessoas e as conversas. E eu fico a assistir àquilo tudo enquanto trauteio pensamentos soltos.
Não posso dizer que esteja desconfortável: visto uma camisola de lã preta e umas calças de fato-de-treino roxas; tenho um gorro e umas meias fortes, daquelas que são aderentes a determinados pisos. Não “ligam alhos com bugalhos”, nada combina com nada, poder-se-ia dizer que estou ridícula. Contudo, fisicamente confortável, quente.
Por entre a multidão que entretanto se juntou (deve ser hora de intervalo!) vou descortinando rostos. A Maria acena-me, enquanto um sorriso lhe baila na cara. Está a falar com alguém que está de costas para mim. Não me apetece levantar; retribuo o cumprimento e desenho um sorriso ténue.
Mais pessoas, muitas pessoas. A minha turma ao canto, o pessoal do Instituto em roda, os meus pais junto àquela coluna. A Sininho voa por cima das cabeças, o Hugo está em mim, os meus amigos andam por ali, entretidos nas suas vivências. De vez em quando passam por mim, acarinham-me os cabelos e percebem tudo. (Tu não estás, e é isso que torna a tua presença tão marcante.)
Fecho novamente os olhos, numa tentativa de falsa abstracção. O barulho da corda do relógio irrita-me, atiro-o pela janela (a minha pontaria sempre foi motivo de orgulho). Shiu, pronto, deixem-me ficar. No próximo intervalo já me levanto e interajo com a sala.

Descobri um pau de giz e entretenho-me a fazer desenhos no chão. Os meus 17 anos estão a envelhecer na mesma proporção em que se infantilizam.


Tuesday, November 20, 2007

Alfarrabistas

Há caixotes de livros carentes dos dois lados da rua. Livros pequenos, grandes, de lombadas grossas ou finas, bem cuidados, com folhas comidas pelo tempo e pelas traças. Os alfarrabistas olham-me, por detrás de roupas e vidas andrajosas, e percebem o meu interesse. Aproximam-se e perguntam-me: “A menina procura alguma coisa em específico?” Explico o que pretendo e eles caem-me nas mãos. São livros usados, cujas folhas já foram viradas, cujas palavras já preencheram a vida de muita gente. Sinto-os palpitar: são fragmentos de vida que ali foram deixados, através dos dedos e do que apreenderam do meio envolvente. Sinto-lhes uma certa relutância em deixar o caixote; são vividos, já viram muita coisa, tornaram-se desconfiados. Exigem, por isso, que eu os conquiste. Passo-lhe a mão devagarinho, sopro-lhes o pó, explico-lhes ao ouvido que muito me honraria sua presença na minha estante, que estou receptiva àquilo que me têm a ensinar. Abraçam-me. Pisco o olho aos alfarrabistas e deixo-lhes os trocos da carteira. Guardo os meus novos amigos no saco de papel, com cuidado. Parece-me ouvir um dos mais velhinhos dizer para o da capa azul: “Vamos passar bons momentos na companhia dela, já estava farto de estar parado”.
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Saturday, November 10, 2007

Chega.

Procuro o conforto que me faz falta nos meus pensamentos. Enrosco-me dentro de mim, procuro-me. Agarro em tudo aquilo que poderá servir de retalho: sonhos, ideias, sentimentos, imaginação, aplausos interiores e exteriores, comoções. Teço tudo com uma linha fina e tento cobrir-me com essa manta peculiar – fico meia nua e a assombração do frio de um Inverno quente destrói-me as entranhas. Volto a vestir a roupa banal, companheira do quotidiano. A tranquilidade é-me exterior.

E a vida rola e rebola, como se fizesse pouco de mim.
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Tuesday, November 06, 2007

Bip-bip

Movimentos de corpos e de pessoas, manchas intensas de luz e sombra. É o dia das visitas por excelência, é o dia dos abraços tremidos ou do primeiro choro. Isto é o centro do mundo, onde se acaba ou se começa, por onde se passa, por onde se tropeça.
Metade da multidão traja pijamas; a outra parte veste cores garridas, de formato não estereotipado. Cada pessoa que passa por mim é alguém. Têm uma vida, tal como eu. E são tantas! O mundo, lá fora e cá dentro, não pára. Os acontecimentos sucedem-se, interligam-se, emancipam-se, esquecem-se. Mas acontecem, vão acontecendo.
Alguns dos que se passam cá dentro merecem aplausos completos, daqueles que são uma sequência de risos, sorrisos e palavras vãs. Aplausos daqueles que dispensam palmas. São histórias bonitas e anónimas que não se repetem nunca mais porque, quanto mais não seja, o elenco é diferente.

Outro bip-bip apressado a sair do bolso da bata branca de um enfermeiro cansado. Tudo é vida, até os objectos inanimados. E por duas razões: são fruto dela e existem para ela. Tal como nós, embora com diferenças perceptíveis.

Depois de uma tarde aqui, sentada numa cadeira de plástico, fria e desconfortável, sinto-me meia morta. Não pela dormência das pernas ou por qualquer outro factor físico. Sinto-me mentalmente parada, emotivamente só. Revejo as actividades que faço, aquilo com que preencho os meus dias e não fico melhor: falta qualquer coisa, uma ausência marcante de uma presença em falta. Sou jovem e as revoluções do tempo em que eu nasci já não se fazem de bandeira em punho: há outras maneiras, mais directas, e, acredito eu, mais eficientes.

Dia 1 e 2 de Dezembro, Campanha do Banco Alimentar Contra a Fome. Participem.

Saturday, November 03, 2007

Pote de Chocolate

Tudo começou com uma certeza: na ponta do arco-íris tinha que estar um pote cheio de chocolate. Nada fazia mais sentido! Era, pois, necessários encontrá-lo. Juntas, tentaram recrutar pessoas para incluir na expedição. Havia critérios a seguir, claro, não podia ser toda a gente. Ainda assim, encontraram um punhado de garotos da mesma idade que mantinham os pés da cabeça na Terra do Nunca e partiram, montados em bicicletas com asas.

Como nunca antes alguém estivera junto ao pote, não havia um mapa: felizmente, as fadas sabem ler caminhos nas estrelas e conhecem o dialecto rudimentar mas difícil dos aromas bons.
Lá pelo meio da história houve, como pertence aos desenhos animados, várias andanças emocionantes. Cães de várias cabeças, flores venenosas, peixes barbudos, tempestades de farinha e todo o género de coisas perigosas que possam imaginar. Na verdade, houve episódios que dariam, individualmente, livros de vários volumes.

Tudo está bem quando acaba bem. Chegaram, finalmente, num dia à tarde. Chovia e fazia sol, obviamente. E o pote – oh, o pote! – era tão grande que cabiam lá dentro todas as aventuras da viagem!
Até hoje, estão por lá, a deliciarem-se. Não fazem menções de voltar. A Alice encontrou o País das Maravilhas: elas, estão no Pote de Chocolate. E, de um sítio assim, não se regressa: porque simplesmente deixa de existir para onde voltar.
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Friday, November 02, 2007

Tuesday, October 30, 2007

CAMINHOS

Lá dentro, porém, não havia placa nenhuma. Quando a Maria deu por isso estava no palco, de novo (alguma vez teria saído de lá?), sem vestígios de porta atrás de si. Desta feita, era ele quem jazia morto.

A sala estava vazia, com a excepção de um espectador que ocupava uma das cadeiras da última fila. A Maria focou o olhar e percebeu, incrédula, tratar-se da sombra do Medo. Esse, encontrava-se cá bem à frente, a rir, estridentemente, a bater palmas, a pedir mais. Ela encostou os olhos e esperou que os ouvidos se fechassem àquele barulho perturbante. As lágrimas corriam incessantemente, sem que ela as conseguisse fazer parar. Não estava triste: na verdade, não sentia nada. Por isso mesmo as lágrimas não vinham de dentro e não eram salgadas. Eram só... lágrimas. Mesmo assim, molhavam. Encharcavam-lhe os cabelos e o rosto, marcavam-lhe a pele a vermelho, inchavam-lhe os olhos.


Sentiu uma leva brisa: estava de volta ao banco de jardim, com a sensatez ao lado. Talvez a placa fosse um mito. Talvez não. Na dúvida, valia a pena procurá-la, correr atrás do que realmente importava e deixar-se de elementos acessórios ao caminho.
Olhou para o relógio: havia ainda tempo para um croissant de chocolate, como lhe aconselhara uma fada. Levantou-se e sentiu-se de novo ela.

(Acaba aqui).

A um passo

A passagem do barco para a cabana foi relativamente simples: limitaram-se a saltar de um lado para o outro. Antes da porta havia uma pequena plataforma, de pedra, onde pararam os dois, a olhar atónicos como quem diz: “Nem acredito que chegámos”. Permaneceram neste impasse um bom bocado, alternando o cruzamento de olhares com a tranca pesada da porta. (Logo aqui já se vê a diferença, o fio dos outros dois nunca se quebrava).

Foi a Maria quem deu um passo em frente. Pressionou a barra de madeira antiga com as duas mãos, tentou levantá-la, deu murros de raiva, empregou uma força quase animal. Quando ele se decidiu a ajudar, com o intuito de serem dois, ela abriu-se como que por magia.

A Maria perguntava a si mesma o que haveria lá dentro. A luz do Sol não permitia que se percebessem contornos e a curiosidade ruía a pobre pequena. Secretamente desejava encontrar a placa: tudo naquele estranho mundo era possível. Repetiu silenciosamente “que seja a placa, por favor, que seja a placa e entrou, seguida por ele.

Fotografia: http://olhares.aeiou.pt/trancas_a_porta/foto1530232.html

Saturday, October 27, 2007

(RE)Construção

O corpo atraía-o e repelia-o, como se tivesse medo que ao toque se desvanece-se em pó. Como se tivesse medo do significado latente de um gesto terno ou de uma palavra melosa.

Ainda assim, puxou-a de novo para si. Voltou a encostar a cabeça da Maria, desta vez uma cabeça morta, ao seu lado esquerdo. Virou-lhe o coração do avesso, para não debotar, e pô-lo a secar ao sol. Depois, entreabriu-lhe os olhos, soprou-lhe um rasgar de vida nos lábios e pegou-lhe na mão, como se nada se tivesse passado. Assim, de dedos entrelaçados, remaram até à cabana. A Maria não se sentia ela mas também não era mais ninguém.

Descaminho

A água superficial do lago, aquecida pelo Sol, debatia-se com a profunda, fria, numa relação de amor-ódio invisível que resultava numa corrente fortíssima. A Maria debatia-se com os remos, ele com os braços.

O estouro físico da corrida e do desmaio, aliados ao esbracejar frenético, transformaram-se numa bola de ferro presa aos pés dele. A Maria percebe e, com a cara pintada de branco pelo medo, voa a ajudá-lo. Desprende o metal pesado, deita-o no barco e dá-lhe água a beber, com calma. Ele tosse e vomita um líquido viscoso que se mistura com a água dela, formando um elixir perigoso de sujidade diluída.

Ao acordar, sente-a. No mesmo instante, atira-a borda fora e pressiona-lhe a cabeça, com toda a força que a reanimação lhe entregou. Deixa que as lágrimas do lago lhe invadam o cérebro e despeja-lhe o elixir perigoso sobre o coração. Emprega aquilo que nunca será neste momento, privando-se, ao mesmo tempo, de sentir qualquer emoção. Dando-a como morta, deixa o corpo bonito a boiar na água aparentemente calma e deita-se no barco, a dourar o rosto e as pernas e descansar os braços.

Thursday, October 25, 2007

A caminho da cabana

Quando recuperaram a consciência estavam noutro lugar, desconhecido. Parecia que tinham sido ambos transportados para um mundo paralelo, sem conhecimento ou consentimento. Nenhum sabia que tinha acontecido o mesmo ao outro, uma vez que estavam separados por um lago enorme. Era um sítio estranho, muito estranho. Havia ainda uma cabana (daquelas dos desenhos infantis), de madeira, que se encontrava precisamente no meio do lago. Era ela que cortava o contacto visual que existiria entre eles, não fosse a sua existência.
Na margem da Maria estava estacionado um pequeno barco a remos, pintado de verde, preso com uma corda a um pau debilmente enterrado na terra. De qualquer maneira, no lago não havia ondulação e o tempo era sereno, pelo que não havia perigo. Depois de uma eternidade a olhar em volta e a pensar em coisas banais, a Maria decidiu-se finalmente a saltar para dentro do barquinho e a remar em direcção à cabana.

Do outro lado, porém, não havia nenhum barco verde. Nem vermelho, ou amarelo. Ele levou as mãos à boca, em concha, e gritou: Ai sim? Tomaras tu!”. Só depois do grito já ter fugido é que se apercebeu da estupidez que dissera! Ainda assim, deixou-se ficar. O importante era ter gritado, ter avisado quem quer que fosse que estava ali. O resto, pouco importava, ele nem sabia se naquela terra estranha se percebia o português. Além do mais, doía-lhe o corpo da queda, não lhe apetecia voltar a gritar.

A Maria já ia a meio do caminho quando ouviu um estranho grito. “Estarei maluca?”. Esperou um pouco, atenta, em compasso de espera. Aquele lugar parecia estar a gozar com ela, envolvendo-a numa quietude extrema. Atribuiu o grito à fraqueza e continuou.

Ele, farto de esperar, tirou os sapatos, as calças e a camisa e entrou no lago. Assim que a água lhe deu pela cintura, lançou-se para a frente e começou a nadar.

Tuesday, October 23, 2007

A caminho de um início

A Maria sentou-se num daqueles bancos que estamos acostumados a ver em jardins (o que fazia ele ali, não sei, não perguntem). Doía-lhe a planta chata do pé esquerdo e ainda nem ia a meio. Decidiu dormitar, para ver se recuperava a força física. Passou por um estado de semi-sonambolismo, em que sentia o corpo adormecido e a mente desperta. Lembrou-se de uma música que a marcara há já uns anos, dos Adiemus. As vozes femininas ecoavam e emanciparam-se, passando a fazer parte do próprio caminho. Sentia-se desencantada com a vida, como se dentro dela houvesse um bicho-papão sugador de felicidade. Sentia-se sozinha, desalentada. E parva. Não estava ela preparada para isto? Não. We never are.
Sacudiu o corpo e continuou. Para além da placa, procurava agora também a sensatez que sempre a caracterizara.

Enquanto isto, ele corria, em círculos, feito louco. Estava encharcado em suor devido à má racionalização do esforço. Desidratou e desmaiou.

Fotografia: http://olhares.aeiou.pt/apenas_existir/foto1368262.html

Sunday, October 21, 2007

Sem sentido

Fui. Voltei. Cheguei. Voltei a partir. Dei duas voltas ao labirinto, às cambalhotas, e sentei-me no chão a ler livros infantis.

“Era uma vez…”.

Foi uma vez. Ou duas, ou três. O que é que importa? Nas histórias da meninice também há pessoas más.

Monday, October 15, 2007

Violino (dor de pensar)

Preciso que a vida me corra no sangue e não apenas nos pés. Encosto-me à ombreira da porta e fecho os olhos, com derradeira esperança. Sangro pelo nariz muita da porcaria que, aos poucos, me foi enferrujando o cérebro e sinto laivos de loucura nas pontas dos dedos. Há um alçapão na minha cabeça e eu não tenho coragem de o abrir. Por entre uma tábua rachada sai o som ensurdecedor e pianinho de um violino desafinado. Invade-me os cabos do pensamento e racha-os, destrói-os, incapacita-os, invalida-os. Priva-me de mim: do que fui, do que sou, do que nunca fui e não voltarei a ser.lençóis roxos e rendados que me amarram e sufocam os sonhos, fazendo-os agoniar até ao fim. Não quero ver isto a acontecer, mudem de canal, deixem-me fechar os olhos. Ando para trás, desespero, tapo os ouvidos e grito, numa tentativa absurda de afastar do pensamento o violino e o agoniar de sonhos. Uma força magnética puxa-me em direcção ao abismo da tipicidade.
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Antes de cair, formulo uma pergunta sem entoação: a vida também precisa de uma vida. Percebo que sou eu mesma o violino e, por não me aguentar mais, matei-me.

Nota: Completamente influenciada por Fernando Pessoa (ortónimo).

Conceitos (Apeteceu-me, pronto!)

Há dois conceitos que eu detesto: o de freira e o de namorado de amiga minha. Não que deteste uma freira em particular ou o Tó, o Marco ou o António. Nada disso. Na verdade, tenho até em muita consideração o trabalho de solidariedade levado a cabo por algumas religiosas e, no geral, as minhas amigas escolhem rapazes bem formados e interessantes enquanto pessoas.

Ainda assim, as ideias gerais que caracterizam estes grupos de pessoas não encaixam em mim. Comecemos pelas irmãs de todos nós, mulheres do senhor nosso deus: como é que alguém pode achar que a rezar está a contribuir para um mundo melhor? Se Ele (o tal!) é tão bom como dizem, salva-nos a todos, sem perguntar quantas Avés Marias rezámos ou foram rezadas por nós em vida. Para além do mais, a Igreja Católica assemelhasse-me, nesta estranha relação matrimonial, a uma enorme colher daquelas que o povo diz não se meter entre marido e mulher. Mas enfim, são opções de vida e, quanto a isso, não há mais nada a dizer.

Os namorados das minhas amigas são outra espécie que me faz comichão. Primeiro, “orfanizam-me” nos intervalos. Depois, nas horas de almoço e nas tardes livres.
“ - Hoje ficas na escola à tarde?”
“ - Fico sim, vou namorar”.
Como se isto não bastasse, ainda nos invadem as conversas, materializados em comentários que, para uma pessoa carente, são mais difíceis de suportar do que a dor.

No fundo, talvez a razão resida toda no facto de eu ser uma agnóstica irremediável, solteiríssima.

Thursday, October 11, 2007

Depois do Fim

A Maria sempre foi uma rapariga sensata. Assim que acabou a peça levantou-se e foi à sua vida. Sabia ter todo um Mundo lá fora, à espera, que a aguardava com a mesma firmeza e determinação de sempre. O Mundo não desistia dela, simplesmente porque ela não desistia do Mundo.
Não estava triste. (Há coisas para as quais já “nascemos” preparados). Ainda assim, sentia-se atacada por uma súbita apatia, como se tivesse perdido, ainda que momentaneamente, a capacidade de sentir. Impunha-se uma comichão na cabeça e o coração estava dormente. Achou, pois, melhor sentar-se. Esperou, bebeu um copo de água com açúcar, pôs-se de pé num salto e seguiu em frente. Para onde? A caminho da placa que os outros dois tinham encontrado e onde tinham escrito a base da verdade do Mundo.

Ele foi também, mas por outro caminho. Apesar de não querer acreditar, está escrito nos princípios da nossa natureza que todos nos dirigimos para lá. Uns chegam, outros não. Eles conseguiram, mais tarde (bem mais tarde!), daí a muito tempo. Separados. Por caminhos diferentes, em alturas diferentes. No entanto, uma coisa tiveram em comum: foram a pé. E nunca se esqueceram quão importante tinha sido o outro para aprenderem a andar.

Wednesday, October 03, 2007

Antes do fim

O mel pinga e empapa-lhes os cabelos. Olham para cima e riem gargalhadas francas e honestas. Entrelaçam os dedos, melosos, e brincam com as mãozitas: com os nós dos dedos, com as linhas da vida, com o encaixe do pulso. Percorrem o braço um do outro, com a palma aberta e reguila. Chegam por fim aos olhos, já com pele e roupa completamente untuosas.

“- Hum, é doce!” – diz a Maria, provando um pingo que lhe caiu nos lábios e arregalando a expressão de prazer.

“- Diz que gostas de mim” – pede-lhe.
“Ai sim? Tomaras tu!” – replica, enquanto lhe puxa a cabeça e a encosta junto ao peito, do lado esquerdo, sempre do lado esquerdo.

O mel cai, vai pingando. Há histórias em que chovem flores ou em que se ouvem sininhos. Nesta, há um mel estranho que cai de lado nenhum. Nesta história, meloso de mel, não de lamechas. Isso é que não: isso é que nunca!
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Nota da autora: Para que se perceba, recomendo a leitura deste.

Sunday, September 30, 2007

Jogo limpo

Deixei de jogar à defesa e aboli as linhas de limite de campo. Que se lixem as consequências! Se o Mundo acabar, hoje à tarde ou amanhã, tem muito tempo para se reconstruir.

Dito isto, liberto-me de mim. Dou-me tempo, respiro fundo, descalço-me e corro pela floresta dos sonhos, de braços abertos. É aqui que me sinto bem: quando for grande vou construir uma cabana e transformar, num toque de mágica, as bonecas numa família de verdade, com vida. É aqui que quero estar, amo esta floresta mais do que tudo. Graças a ela, perdi o medo de ter medo: encaremos o percurso com natural simplicidade.
Depois de um curto passeio com a minha decisão, percebo que alguém me calçou as pantufas: estou confortável. Tão confortável que faço uma almofada de caruma, cobro-a com folhas de eucalipto, deito-me e adormeço quase instantaneamente.

A partir de agora, tens tu o apito. Avisa-me quando o recreio acabar e joga limpo, por favor.

Wednesday, September 26, 2007

Construção do fim

A Maria riu, estridentemente, na cara dele.

“Ora toma!”

É mesmo bem feito, pensou a assistência. Um riso que corta, que goza, que lhe rasga o peito. Um riso que o humilha mais do que tudo, que o despedaça. O público gosta, pede mais. E ela volta a rir, mais alto, cada vez mais alto. Pára, subitamente. Roda em pontas e cai-lhe nos braços. Perplexo, ele procura no subconsciente uma maneira de lidar com aquilo, de lidar com ela. Cada movimento da Maria é pensado, premeditado. Têm muitas noites de reflexão, os gestos dela. São compostos de muitas insónias, que os tornam perigosos e independentes. E dão cabo dele, sempre e cada vez mais.

“Ai sim? Tomaras tu!”

Espertinha, hem? A usar as frases dele. As fraquezas dele. A usá-lo a ele mesmo, como se de uma marioneta de corda se tratasse. Pinta a cara de branco e assombra-o, desenha-lhe rugas na face e aponta-lhe para o “pneu” de gordura que subitamente lhe surgiu na barriga.

“És um velho. Ninguém te quer”.

Suores frios, muitos suores frios. Ela agarra num copo de cerveja, enche-o com fragmentos da vida de boémia dele e dá-lho a beber. Rejeita, num gesto nada firme. Bebe ela, de um trago. E cai morta no chão, de olhos abertos. Ele percebe muita coisa, neste momento. Percebe quase tudo. A Maria é parte de si: é a representação do seu próprio fim, fim esse que ele aprendeu a amar, pela convivência diária. Mas, ao tocar no corpo dela, sem vida, odeia-se mais do que tudo: odeia o desfecho eminente, construído com todo o seu empenho.

O pano cai. A assistência está apática. Ao fundo, lentamente, cresce a sombra do Medo.
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Tuesday, September 25, 2007

Pintores de pessoas

Nem toda a gente tem talento para pintar em pessoas. Os artistas de tela, toda a gente conhece e reconhece. Mas, digo-o eu, pintores de pessoas são bem mais raros. E não deixa de ser uma forma de arte.

Conheço uns poucos. Meia dúzia, que nem se apercebem do seu papel de revolução social. E nós, obras de arte deles, nem sempre lhes dizemos o que são, nem sempre nos deixamos assinar (porque nos queremos emancipar e juramos que conseguimos ser “um quadro com pernas”). Hoje em dia, as voltas de mentalidade fazem-se com afecto. E muitas cores, claro.

Tenho vários arco-íris em mim. Felizmente, sou uma daquelas pinturas em que houve muita colaboração, sou composta por estilos e técnicas muito diferentes, graças à capacidade de trabalho de grupo. Resta-me dizer “obrigado” e pôr-me à disposição: assinem-me, exibam-me como obra vossa. E não se preocupem se o efeito final não for o esperado: por muito bom que seja o criador, não muda a qualidade do material.

Sequência de Natureza

As escadinhas vão dar à praia. São de pedra, irregulares, esculpidas pela Mãe Natureza. Há pouca areia: o mar passa o tempo a levá-la e dá-nos apenas breves segundos para a pisarmos e fugirmos a correr da ondulação ligeira e fria. Não sou fanática disto: não passo horas a fitar o horizonte, não adoro o ar salgado que me empesta a pele. Mas confesso que aqui se respira paz. Organizo as ideias por ordem alfabética. Reparei hoje, nos olhos de uma pessoa amiga, quão fácil é fazer os outros sentirem-se bem, ficarem bem. É só querer: e, nesse querer, ficamos bem, também. Numa sequência de vontades, esculpimos degraus em nós, como os da praia. Porque num acto de afecto está muita força natural: está o máximo de natureza que se pode concentrar num só momento. Criamos projectos, muitos projectos. E conhecemos mais pessoas por quem passamos a nutrir carinho, vamos acumulando mais natureza e tornamo-nos seres verdadeiramente emocionais (sim, para além de racionais, somos emotivos, uma qualidade demasiado boa para ser tantas vezes esquecida). Amamos. Vivemos. Sonhamos. Queremos bem.

Pelos outros? Sim. E por nós. Somos egoístas, ecologicamente egoístas (como eu disse um dia, num outro contexto).
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Thursday, September 20, 2007

Minha querida Matilde

A Matilde vive num castelo igual aos da realeza. Tem muralhas altas e muitas nuvens branquinhas como cenário. O envolvimento é tão bonito que, a primeira vez que lá estive, pensei que uma fada tinha colado papel de parede nas janelas. A Matilde não usa vestidos compridos nem uma coroa na cabeça mas é a princesa mais verdadeira que eu já conheci. E, por isso, é muito comovente vê-la a descer do trono, a correr, de encontro aos meus braços. A cabecita dela fica algures entre a minha barriga e, quando ela a vira para cima para me dizer mágicas palavras de bom dia, vejo-lhe os olhos a brilhar. Depois disso, liberta-se e dá-me a mão. É aí que navegamos as duas num pequeno barquinho a remos, de madeira, pelo seu futuro. E vemos coisas lindas, povoadas de ternura e meiguice. Peço-lhe para ficar nas recordações do que está para vir e não espero pela resposta. Deixo apenas o pedido no ar.
Damos um saltinho ao caminho que ainda não desenhei. É com uma exclamação de espanto que me apercebo de todas as mudanças: acreditas, querida Matilde, que antes de aqui vires, nada disto era assim?

Um dia vou querer ser mãe...

Wednesday, September 19, 2007

A borboleta-anjo

Asas. Asas. Asas.

Sonhos. Sonhos. Sonhos.

Era uma vez uma borboleta que queria ser anjo. Queria muito. Queria tanto, de tal maneira que, um dia, mergulhou as suas lindas asas coloridas em lixívia. Desvairada pelo desejo desmedido, não se apercebeu da mutilação que impunha a si mesma: a ruptura com a sua essência, com o que de mais belo havia em si. Ficou doente. Muito fraquinha, deixou de conseguir voar. Já não era sequer borboleta: era só meia borboleta, um quase nada que um dia tinha sido tudo.

Era uma vez um anjo que queria ser borboleta. Queria muito. Queria tanto, de tal maneira que, um dia, pintou as suas lindas asas brancas com lápis de cera de várias cores. Desvairado pelo desejo desmedido, não se apercebeu da mutilação que impunha a si mesmo: a ruptura com a sua essência, com o que de mais belo havia em si. Ficou doente. Muito fraquinho, deixou de conseguir voar. Já não era sequer anjo: era só meio anjo, um quase nada que um dia tinha sido tudo.

Era uma vez uma borboleta linda, linda, linda. Era uma vez um anjo lindo, lindo, lindo. Um dia encontraram-se e amaram-se com tal carinho que se fundiram um no outro. E assim nasceu, no paraíso dos encantos, a coisa mais bonita que se viu até hoje: uma borboleta-anjo, a representação de todos os sonhos e todas as magias do Mundo.

Friday, September 14, 2007

Inventário de Sonhos

Não gosto da melancolia do último gelado de Verão. Refugio-me na minha almofada e ignoro o arco-íris que cria a ponte entre as minha lágrimas e o meu sorriso. Faço birra. Bato com o pé, refilo. Não quero chocolate: quero a areia de volta, quero as ondas, quero gelados a pingar. Abraço-me ao último deste ano e murmuro-lhe palavras de carinho.
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"- Prometes que voltas?"
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Quando trinco o último bocadinho da bolacha, tomo uma decisão: chegou a altura de fazer um inventário de sonhos. Vou -los todos em cima da cama, ordená-los, numerá-los e voltar a encaixa-los em mim. A lista é para guardar dentro da caixa de sapatos que decorarei especialmente para a ocasião. Assim, estou segura: em pleno Inverno, poderei dar férias aos cobertores. Terei o bastante para me aquecer.
No entanto, não deixarei as coisas apenas assim. Tenho medo do papel: não é, de todo, material seguro. Portanto, tirarei uma cópia, imprimida em bocadinhos de nuvem. Vou enrolá-los em forma de canudo e confiarei na Fada Sininho, para que mos guarde para sempre.
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Tuesday, September 11, 2007

Uma viagem

Ente nós há uma distância de dois dedos. Não é uma quebra de harmonia: é simplesmente o espaço que os nossos olhos exigem para se encontrarem e transmitirem entre si raios de lua. Sou pescada. Raptas-me de buga e roubas-me o tempo que o relógio tanto se esforça por impor. Grito que não posso, que nem umas sapatilhas tenho calçadas. Não queres saber. E, apesar dos gritos, a minha revolta não é verdadeira, pelo que me deixo ir, de cabelo ao vento e coração de chocolate. A meio da viagem levo a garrafa de água à boca e percebo o que realmente quero. Quero trocar a mesa onde entretanto me sentei pelo teu colo. Importas-te? Garantes que não e partilhamos a sandes amachucada e barata de um bar de beira de estrada, enquanto o Sol nos adorna o horizonte.

É a minha vez de guiar. Segura-te bem. Rabisco na estrada. Traço uma linha torta com os pneus, curva. Oh sim! A vida não é linear, sabias? A maior parte está na sola dos sapatos, no subsolo de nós. E, com o arrastar de pés e emoções, desgasta-se. A vida e o sentimento que constrói um pilar entre nós e o Mundo. Gosto de contos de fadas. E vejo um no teu sereno respirar de fim de tarde. Amarro-te com um velho xaile de fadista e pergunto, com voz segura: " - O menino dança ou é daqueles que faz fita?". Lá, lá, lá. Olhar e ver. Querer e ter. Ser e não ser, sorrir e não poder. QUERO! Tenho, posso e mando. Somos finos. Trocamos a sandes por lagosta e vinho verde, pomos os restos mortais da hipocrisia dentro de um saco do lixo e misturamo-nos com a multidão da cidade. I don't care. You don't care. But we both know the sunset only lasts very few seconds.

Escolinha

Posso dormir contigo Mamy? Só hoje. Amanhã é o meu último primeiro dia de aulas. Tenho borboletas na barriga e a sensibilidade à flor da pele. Estou nervosa. Tal e qual como no primeiro dos primeiros, quando tu e o pai me abraçaram frente ao portão grande. Não argumentes que estou maior: o portão também cresceu, sabes? Logo, a proporção é a mesma. A situação é a mesma. Eu sou a mesma. Nesta altura volto a ser a criança que fui, sem um pingo de experiência de vida a mais. Não sei sequer que conforto do conhecido é esse de que falas. Tremem-me as pernas e brilham-me os olhos. Tenho medo e muito fascínio. Gosto disto. E o medo é exactamente esse: e se eu um dia me esquecer do quanto gosto disto?

Monday, September 10, 2007

Passados dois anos

Passado um ano: http://formalslang.blogspot.com/2006/09/one-year-later.html

Não te vou dizer que me lembro de ti todos os dias. Mas posso dizer-te, com toda a honestidade, que me assaltas de vez em quando os pensamentos, ligado a uma recordação qualquer. São fragmentos teus: que permanecem vivos e que te fazem permanecer vivo. Porquê? Bem, não eras o meu melhor amigo, em parte por causa da diferença de idades (que, apesar de não ser astronómica, era a suficiente para pertencermos a fases distintas da adolescência). No entanto, tínhamo-nos em muita conta. E tu eras muito do que eu sonho ser.

Sinto muitas saudades. De te encontrar ocasionalmente, de termos longas conversas, de andares comigo às cavalitas, a correr pela escola. Sinto muitas saudades de tudo. De ti, de quem eu era na altura. Das pessoas que nos rodeavam.

Guardo-te aqui dentro (e aqui estás bem).

Friday, August 31, 2007

Inebriação

Engana-me uma vez mais. Imploro-te que agarres em mim e me sussurres todas as mentiras boas que fores capaz de reunir. Que a consciência não te pese: afinal, estás a fazê-lo com o meu consentimento, todas as consequências serão assinadas por mim. Engana-me. Engana-me. Faz de mim gato e sapato, joga os meus sentimentos à parede, ilude-me. Envolve-nos aos dois num nevoeiro escuro e deixa que a densidade astronómica do ar nos sufoque. Tens medo? Estaremos juntos, com todas as mentiras que criámos à nossa volta. Morreremos num ambiente familiar, sem que sejam necessárias despedidas tristes.

Fotografia: http://olhares.aeiou.pt/_das_maiores_invencoes/foto1421120.html

Thursday, August 30, 2007

Jogos de Roda, Parte II

Tenho uma criança a rodar nos meus braços. E a sorrir. Não sei se para mim, se para o Mundo, se para si mesma. O facto é que sorri: como se só ela percebesse a dimensão daquilo que a faz feliz. O que ela não sabe (talvez desconfie…!) é que aquele sorriso torna o Mundo um lugar com menos medo de existir.

Não me sinto a viver um sonho mas sinto-me, definitivamente, a viver a minha vida. E, acreditem, é uma sensação muito boa. Desconfio até que se algumas pessoas soubessem quão bom é, viveriam mais as suas.

* Fotografia: http://olhares.aeiou.pt/s_t/foto1056162.html

Tuesday, August 28, 2007

Oh yeh!

O amor é uma necessidade intrínseca. Depois de algum tempo aqui, neste nosso Mundo (ou Mundo nosso?), percebemos que a nossa tarefa suprema não é nada mais, nada menos do que conhecermo-nos a nós mesmos. E, passado o rasgar de reacção ao ridículo que se desenha na nossa face (afinal, como podemos não nos conhecer?), compreendemos quão complexa é a tarefa. Porque é uma função eterna, que dura exactamente o mesmo tempo que nós. Enquanto vivermos, lutamos desesperadamente pelo conhecimento e enriquecimento de nós mesmos.
É num momento de desespero que sentimos necessidade de trespassar a tarefa. Desejamos secretamente que a pessoa escolhida consiga aquilo que nós não conseguimos e murmuramos ao seu ouvido “conheces-me melhor que eu mesma”. Entregamos a nossa somatognosia e o nosso "eu psíquico" e ficamos assim, à espera que o trabalho apareça feito.
Acontece que, na realidade, sabemos que mesmo que isso seja verdade, não estamos livres do desafio. Afinal, não podemos desistir de nós mesmos. E sabemos que temos que continuar a caminhar e a lutar “enquanto houver estrada para andar”. Contudo, sabemos também que o percurso é muito mais agradável quando estamos acompanhados por quem amamos. Oh, se é!

Friday, August 24, 2007

Madrid

Imagem de: http://simplesmentesuse.blogs.sapo.pt/

Respiro com força o ar da cidade. Nova para mim, coleccionadora de memórias em relação ao Mundo. Prendo-me nos edifícios, balanço o andar, indecisa em passar ao próximo passo ou em ficar eternamente a admirar o postal que é oferecido aos meus olhos. Decido continuar o caminho e não me arrependo. Postal a postal, flor a flor, encanto a encanto, descubro um lugar no qual me sinto encaixar.
As pessoas que passam por mim são fascinantes. Muitas cores, muitos sentimentos estampados nos rostos e nos corações. Aqui, cada um é dono de si mesmo e isso basta. Aqui, goza-se uma coisa que eu gosto muito: liberdade social. E, no entanto, eu não me sinto perdida na indiferença que muitas vezes lhe está associada.

Sunday, August 19, 2007

Lado a Lado

Os melhores concertos são aqueles que se transformam num pacto de paz. São aqueles em que os cantores da plateia cantam pelo menos tanto como os do palco e em que, tanto uns como outros, adoram ouvir-se. São aqueles em que não conseguimos prender a voz na garganta e a largamos, num gesto de pura liberdade. Quando sentimos que somos capazes de ouvir de olhos fechados mas os queremos manter abertos, quando temos os sentidos seduzidos, quando poderíamos ficar ali “até ao fim da vida, ou talvez só até amanhecer”… É aí, nesses concertos, que temos a bola colorida entre as mãos e, como crianças que somos, o Mundo pula e avança.

Nos melhores concertos construímos castelos de sonhos. Apetece-nos saltar para cima do palco, abraçar quem lá está e repetir infinitamente “obrigado, obrigado, por favor continuem”. Sentimos cada música como se fosse nossa. As recordações assaltam-nos, esboçamos um sorriso e afastamo-las, mesmo que momentaneamente, porque o que importa é o presente, este presente (de agora e de mimo). Entrelaçamos os dedos com todos os sentimentos bons que existem e ficamos assim, lado a lado com eles.

Sunday, August 05, 2007

A regressar de nunca ter partido

Dá-me um beijo ruidoso na face. Abraça-me com força, até eu sentir a cabeça a andar à roda e os pulmões a implorarem por oxigénio e diz que gostas de me ver, que tinhas saudades minhas e que estou com um ar saudável de maresia e sonhos.
Dá-me tempo de olhar para ti. Sempre o mesmo, os mesmos tiques de intelectual, a mesma força meiga. Oh meu querido, que falta me fizeste!
Olha-me nos olhos;
“- Como foram as férias?”
“- Boas. E as tuas?”
“- Também”.
A cumplicidade transborda dos sorrisos, dos gestos, da alma. E o Mundo desvia-se de nós, de esguelha, de inveja.
Gritas-lhes que dor de cotovelo é uma coisa muito feia, dás-me o braço e levas-me para um jardim.
“- Tenho tanta coisa para te contar!”
Não precisas, eu sei tudo. Estava lá, lembraste? No Tamisa, nos passeios e nos candeeiros de Londres, nas fachadas dos prédios. Estava em ti. E tu em mim, enquanto deambulava pela praia, a pensar se a minha vida está certa enquanto repetia sistematicamente que a vida não precisa de um certificado de validez.
Sente o meu bronze na tua pele e nota como o meu inglês melhorou. Deixa-me encostar a cabeça no teu ombro e rir, deixa-me dizer-te que tens razão, que vou seguir com a minha vida e ser feliz sem dizer nada a ninguém. Passa-me a mão pela cabeça, faz papel de pai. E deixa-me perguntar-te se usaste boné e atravessaste sempre na passadeira.
Amo-te. Oh, amo-te tanto! Não enquanto rapaz, isso seria restringir a importância que tens na minha vida. Amo-te enquanto pessoa, amo-te o mais que se pode amar um amigo.
Gritemos juntos, a uma só voz, baixinho. Está sol de Setembro, apesar de ainda ser Agosto, e o vento acaricia-nos.
Prometo-te: mesmo que um dia a vida te leve para longe, eu estarei sempre perto. Quanto mais não seja, nas recordações, no coração. Fazes parte das minhas estruturas, somos cada um uma parte que já não cabia no outro e que, por isso, nasceu à parte.
Fica comigo Amigo. Fica em mim e deixa-me ficar em ti.
Anda, vamos ouvir Jorge Palma e ler Mafaldinha. Anda, vamos provar que a amizade é uma coisa concreta. Anda, vamos simplesmente estar um com o outro.

Saturday, August 04, 2007

Um dia...

... eu disse-te:

«Quando achares que não dá mais, bate-me ao de leve no ombro e sussurra-me ao ouvido: “- Chega”. Desfaz o abraço e segue o teu caminho com os chinelos havaianas nos pés. Mas vai devagar: dá-me ao menos tempo para me habituar à tua “não presença”.»

Obrigado. Agora, é comigo mesma.


Nota: Intervalo nas férias. Não resisti. Pronto, estou de novo de férias.

Monday, July 30, 2007

Encerrado para férias

Descanso do pessoal.

PS- A dona Anabela vai sair do Alfa e abrir negócio próprio. O que é óptimo para ela e péssimo para nós. Prometi à Ju que escrevia isso aqui. Afinal, é a única novidade que conseguimos apurar numa tarde de conversa. E eu ainda mando aqui, logo, escrevo o que quero. (Sim, tenho o meu quê de autoritária!).

LOL

Sunday, July 29, 2007

Equilíbrio

"Dá-me um bocadinho mais de ti que eu não consigo sobreviver com tão pouco. Dei-te-me inteira e a parte que consegui recuperar não chega. Preciso de ti para me manter em equilíbrio."

Descobri hoje que tenho mais dificuldade em escrever na primeira pessoa. Por isso as aspas.

PS- É "dei-te-me" ou "dei-me-te"? O verbo é do Bartolomeu.

Saturday, July 28, 2007

Até para o ano

“A Academia de Verão é uma iniciativa da Universidade de Aveiro que visa proporcionar a estudantes do ensino básico 3º ciclo e secundário a oportunidade de viverem e trabalharem durante uma ou duas semanas num campus universitário de excelência. “

"Ó rama, ó que linda rama
Ó rama de Aveiro
O meu P é o mais lindo
Que anda aqui na Academia

Que anda aqui na Academia
Aqui e em qualquer lugar
O P7 é o melhor de todos
E a todos as línguas vamos levar."

AVEIRO É NOSSO.


PS- Não há uma maneira bonita de dizer adeus, principalmente a coisas boas. E vocês sabem, eu não gosto disto aqui.

Thursday, July 19, 2007

Asas (inhas)


Lá ao fundo, bem lá ao fundo. Uma pintinha próxima da linha do horizonte que os seus pequenos olhos alcançavam.
“- Achas que é muito longe?”
“- Tens pressa?”
Caminharam. Lado a lado, mão com mão. O fio que existia entre os seus olhos só se quebrava, de tempos a tempos, para vislumbrarem o pequeno ponto e perceberem se iam na direcção certa. E daí, talvez nem se quebrasse. Talvez esse fio invisível estivesse sempre presente, unindo muito mais do que o olhar. Com a respiração sincronizada, o resto do Mundo ficava muito longe e o paraíso dos sonhos abraçava-os e enlaçava-os e entrelaçava-os. Eles eram esse lugar encantado. Passo a passo, a pintinha lá ao fundo ganhou forma.
“- Uma placa?”
Sim, uma placa. Uma placa daquelas que indicam o início ou o fim de uma localidade. Uma simples placa de beira de estrada, com a única particularidade de não ter nada escrito.
“- E agora, como sabemos que sítio é este?”
Ele agarrou na caneta preta e escreveu. Ela sorriu.

Monday, July 16, 2007

Construções

Estou aberta para obras!

(Sempre ouvi dizer que "comércio fechado é cachet perdido").

Wednesday, July 11, 2007

A trinca da folha de papel

No outro dia fui mordida por uma folha branca. Não foi agradável: não é de todo algo que queira voltar a experienciar. Eu tentava escrever e ela atacava-me. Até que acabei mesmo por ficar ferida. Apliquei dois ou três poemas e a dor passou. Ainda assim, demorei um certo tempo a livrar-me do trauma.

Nota: Fala-se muito em hábitos de leitura: os de escrita são igualmente importantes.

Tuesday, July 10, 2007

Psicanálise


Psicanálise. Mutilações contrariadas, pensos arrancados à força, gestos rudes. Recordações de um passado que chego a ter dificuldade em perceber a quem pertence (pertenceu?). Fusão de histórias, de medos, de sarcasmos e berros contidos. Pesadelos, porrada, incidentes intentados. Turbilhões de ondas de mal-estar descordenado. Colos negados.




E se depois de tanta coisa não chegarmos sequer perto daquilo que queríamos ser?
(Desconfio que sei a resposta).





PS- Anyway, férias são férias. Lembram-se do post dos “Apetites”? Estou a trabalhar para o cumprir ao máximo =)

Foto: http://sopra.blogs.sapo.pt/arquivo/2004_03.html

Wednesday, July 04, 2007

Rodas, rodopios, círculos


Jogos de roda. Mãos dadas, saltitos que intervalam a elevação alternada de joelhos.

“Um, dó, li, tá, (…) quem está livre, livre está!”

Saio. Perdi, a minha vez acabou-se. Sento-me de pernas cruzadas e vou vendo os outros jogar, enquanto bato palmas e cantarolo a meia voz, quase em falsete.

“Venham! Vamos recomeçar”. Estendo as mãos e sorrio, e volto a dar azo aos pulmões.

A vida tem graça: às vezes é cíclica.

Saturday, June 30, 2007

Dificuldades de afirmação

“Falhámos a vida menino!” (“Os Maias”, Eça de Queirós)

Eu ainda não tenho idade para ter falhado grande coisa, diriam alguns. Aos 16 anos (quase 17), é-se demasiado novo quer para o sentimento conformista que a frase entre aspas implica, quer, vendo as coisas por outro lado, para já se ter “vencido (n)a vida”. No fundo, este meio-termo que comummente apelidamos de adolescência, não passa, aos olhos de parte da sociedade, de um compasso de espera. Com caras de palermas alegres, temos mais é que ir observando e aprendendo, ao mesmo tempo que aguardamos a nossa vez de dar/deixar (ou não) ao/no Mundo o nosso punho e contributo pessoal.

Há uma série de coisas que temos que aprender e interiorizar antes de nos transformarmos em “nós”: como se a nossa essência estivesse congelada cá dentro, há espera do momento oportuno para entrar em ebulição e “sair da toca”. Ora se espera muito de nós, ora somos ignorados. Na verdade, nunca cheguei a perceber muito bem o que pretendem: o nosso Mundo é, a muitos níveis, mais complexo do que o dos nossos pais, pelo que é, à partida, mais difícil ser-se jovem nele. Pressão (de todos os lados e de todas as formas), opressão, ansiedade and so on. As dificuldades são conhecidas, pelo que não me arriscarei a perder a vossa atenção (?) ao enumerá-las exaustivamente. No entanto, ao mesmo tempo que as notas na pauta chegam a ser seguidas com a atenção doentia de quem vê e analisa rankings de escolas, e, paralelamente, nos vão perguntando “o que/ quem queres vir a ser?”, obrigam-nos a espreitar por cima do ombro dos pais para tomar parte nas “conversas de adultos” que estão a decorrer em círculo fechado.

Ser adolescente é uma fase de transição. Mas é uma fase que existe, que é real e que tem um presente. Caracteriza-se pela ânsia de um futuro que se adivinha próximo e pela forma dúbia com que nos encaramos a nós mesmos mas também pela maneira pouco concreta como somos olhados. Nem na fase adulta as coisas são lineares: somos sempre seres mutáveis, Górgias muitas das vezes, em transformação constante.
“Vocês são o amanhã”. Muito obrigado mas “o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em pedaços ao chão” (“On being human”). Atrevamo-nos, por isso, a ser o hoje. Sem pretensões de invadir o espaço de ninguém, obviamente…

Nota: Claro que este pequeno texto é muito geral. E tem contexto próprio. Há quem cultive a situação inversa: mas talvez não sejam “adultos crescidos”. E, talvez por isso, alguns deles tenham quase tantas dificuldades de afirmação como nós…

Wednesday, June 27, 2007

Exames nacionais

Quando começou a semana de preparação para exames, era a favor deles. Fi-los e continuei a favor. Mesmo depois de saírem os critérios de correcção no portal do GAVE (que não provam nada mais que a estupidez de quem os fez) continuei a favor.

Sim, sou aluna e a favor dos exames dos nacionais. São uma das coisas mais estúpidas que já foram inventadas? Também é verdade. São uma solução rude e até um pouco desumana? São. Mas querem o quê, aboli-los e deixar os alunos concorrer só com a nota de frequência? Olhem para o sistema de ensino actual! Olhem para ele nos olhos e digam-me sinceramente: escola públicas, privadas, semi-privadas, cooperativas e de todas as outras qualidades que por aí houver, a bombardearem as universidades com alunos sem passarem por um painel de selecção e controlo? Aqui neste blog ninguém põe em causa a competência dos professores (era o mais faltava!) mas também é preciso ver que não são eles que estão a tentar entrar para a faculdade. (Antes de avançar, é bom que esta questão fique clara, para que não dê azo a interpretações enviusadas: há professores bons e maus, como em todas as outras classes trabalhadoras em que há pessoas competentes e outras que não o são. Na minha opinião, a maioria é bastante razoável. Supostamente, os exames não são para atacar os professores: deviam ser para proteger os alunos).

O problema, a meu ver, está longe de estar nos exames. A questão gira em torno do sistema, podre e antiquado. Reformas, reformas e mais reformas: e que tal se parássemos de aumentar a dose de comprimidos para as dores e partíssemos para a operação geral?

O sistema dos testes nacionais parece-me uma boa opção. Todos os testes feitos ao longo do ano lectivo seriam nacionais: assim, não haveria apenas um dia, uma prova, mas sim uma homogeneização de notas, uma vez que seriam testados os mesmos conhecimentos. Obviamente este é um assunto com “pano para mangas”. Fica apenas uma breve opinião.

P.S.- Só mais uma coisinha… Na segunda-feira, ao entrar para a sala de exame, ouvi alguém dizer: “- Ainda não percebi porque é que precisamos ter nota mínima de 9,5 no exame da disciplina específica, independentemente da nota de frequência”. Concorrer sem preencher pelo menos metade das exigências específicas? Enfim… e olhem que ter 9,5 no exame de História A não vai ser fácil…

P.P.S- Injustiças sempre houve e vai haver. No ensino, na saúde, no comércio… Na sociedade em geral. Não podemos é conformarmo-nos com elas.

Wednesday, June 20, 2007

Apetites

Apetece-me ter boas ideias. Escrever qualquer coisa de que me orgulhe. Compatibilizar a roupa que escolho de manhã com as condições atmosféricas do resto do dia. Apetece-me mudar o quarto: pintar uma parede e arrastar uns móveis. Apetece-me limar as unhas e cortar o cabelo. Apetece-me andar descalça. Apetece-me correr de fato de treino no meio da cidade, passar uma tarde nos baloiços, conversar até de madrugada. Apetece-me beber leite frio, andar de roupão um dia inteiro, dormir. Ir acampar. Apetece-me ouvir música. Abrir os pulmões e cantar Beatles. Apetece-me pôr os livros da Mafaldinha todos em cima da mesa-de-cabeceira. Apetece-me calçar um sapato de cada cor. Gargalhar. Ir às compras, ligar o rádio na frequência máxima, organizar papeis. Pintar nas folhas coloridas que o Galamba me deu (e ir tomar café com ele!). Estar com aquelas pessoas. Ler livros a sério, dos que não se lêem em tempo de exames. Passar horas na “Letra” a sonhar outras tantas no Alfa, a engordar. Apetece-me vestir a saia das pintas. Ir ao cinema. Besuntar o corpo com cremes e tomar banho no momento imediatamente a seguir. Ter um namorado. Ter boas notas. Apetece-me ser parva. Apetece-me ser raptada por extraterrestres. Apetece-me conhecer pessoas. Apetece-me não fazer nada. Apetece-me aspirar debaixo da cama. Pôr bâton do cieiro. Escrever a vermelho. Jogar futebol. Ir à feira. Forrar uma caixa de sapatos, fazer uma almofada com restos de tecidos, escrever um poema.

Apetece-me crescer. Apetece-me ter tempo para fazer isto tudo e muito mais.

Maiô

O vestidinho de dança preto, simples, de lycra, já está acabado. Tem a saia um pouco comprida, pelo que sobe ao mais pequeno movimento, mas o bódi assenta-me bem. Deixa-me as costas destapadas e as alças finas seguram fransinamente tudo o que há para segurar. É confortável, maleável. Com ele, sinto-me uma bailarina de verdade: não que o seja, de todo, mas essa sensação percorre-me num frenesim e ajuda-me a absorver a magia da música. Abandono-me inteira e deixo que o meu corpo seja o capitão dos movimentos pouco sincronizados que o esquema exige de nós.

Querem pôr uns panos de utilidade duvidosa por cima do meu maiô de bailarina e eu não percebo porquê. Adornar o belo é romper-lhe com a simplicidade e, por inerência, torná-lo mais feio. Ficamos muito mais “nós” apenas assim. Era, aliás, desta maneira, que gostava que me descobrisses. De costas nuas, olhos semi-serrados e dedinhos abertos. Com a minha essência toda ao de cima. A descobrir-me a mim mesma e a um mundo inteiramente novo dentro de um pequeno ringue. As bancadas já não me assustam: transmitem-me antes a energia que, aliada à ligeireza dos movimentos, resulta numa explosão de encantamentos.

Rodopio. Elevo-me. Flutuo. Arqueio os braços e os dedos tocam-se, no alto da cabeça. Faço piruetas, piões, saltos. Movo-me, rastejo, deslizo. Ergo-me. O corpo inanimado do quotidiano, ganha uma vida nunca antes descoberta. O cabelo solto, com ondas a caírem-me sobre os ombros, atrapalha. Apanho-o bem no cimo. Um gesto, uma dança.

Visto a capa e deixo de ser eu. “Pelo céu cinzento/ Sob o astro mudo/ Batendo as asas pela noite calada/….”. Vampiros. A luz apaga-se. Medos. Rodas de pesadelos. Choques. Vermelho e preto, numa mistura de sangue e podridão.

Em posição de avião, com o pé bem arrebitado lá a trás e a cabeça bem esticada cá à frente, os patins não pesam. Fazem parte de mim, são uma extensão das pernas. Deito-me em andorinha e deixo de ouvir a música: apenas as rodas a girar violentamente. Com a cabeça tão próxima do chão, as imagens tornam-se também desfocadas e, quando estou a prestes a perder os restantes sentidos, a flecha mata-me e vou a raspar pelos tacos até que a vitalidade me seja novamente concedida.

Mas eis que tocam as cornetas! A corte prepara-se, é anunciada e entra em palco. Princesa? Donzela? Pergunto-te: "Concedes-me esta dança?" Tu mandas, o baile termina. Assim como a imortalidade prometida.
.
(Festival dia 23 de Junho)

Monday, June 18, 2007

"Anda daí, já chega"

Envolveu-se nos seus próprios braços em desespero profundo.
A necessidade de um simples abraço, físico ou emotivo, fazia-se sentir mais do que nunca. Não um abraço “químico”, nas duas interpretações que a palavra possa ter. Conforto. Apenas isso.
Colo, aconchego. Fazia calor mas, ainda assim, tapou-se “até ás orelhas” com o frouxel ao xadrez, desejando que o calor que a fazia transpirar fosse, por osmose, transferido para o interior de si.
Puxou os joelhos e encostou-os ao peito. Respirou fundo e tentou, um pouco em vão, controlar os soluços. Tentou concentrar-se em coisas absurdas: “preciso de trocar a fronha a esta almofada”. Escapa um choro mais forte. As mãos tapam a boca, pouco depois de ele ter fugido… Nada a fazer, já ecoava pelo quarto. Bateu nas paredes, fez ricochete e atingiu-a em cheio na alma, provocando um suspiro que se alongou até ao outro dia de manhã.
Os pesadelos da noite agarraram nela e furaram-lhe o coração. O sangue jorrou, fazendo alastrar uma mancha negra dentro de si mesma. Abriram-lhe os pulsos e, de dentro deles, sugaram a força. Voltaram a coser-lhos, como se nada se tivesse passado. Mandaram-na levantar-se, apesar da fraqueza e debilidade, mais do que evidentes.
Caiu no chão, redonda. Entreabriu os olhos e, por causa do esforço, desfaleceu.

“Anda daí. Já chega.”

Notar
“Químico”:
- comprimidos
- paixão

Saturday, June 16, 2007

Exames

Biblioteca.

Exames, exames, exames.

Há vida DEPOIS deles. Até lá camaradas!

Tuesday, June 12, 2007

RRRH



Tapem os ouvidos que eu vou dizer uma coisa muito feia.

(RRRRRRRRRRRHHHHHHH)

Pronto, já está. Destapem-nos.

Sunday, June 10, 2007

Pacotes de Açúcar

Saborear é a melhor coisa do Mundo”.
Namorar é a melhor coisa do Mundo”.
Amar é a melhor coisa do Mundo”.

Decidam-se. Afinal, o que é a melhor coisa do Mundo?

“- O primeiro pacote não pode ser, vamos exclui-lo. Saboreias, comes, ficas gorda. E ser gorda não é a melhor coisa do Mundo”.

(Gargalhada do Hugo).

“- Agora é que é difícil. Uma coisa não implica a outra, mas na prática… Namorar sem amar não é, definitivamente, grande coisa. Mas amar sem namorar? Epa, o raio do pacote devia ser mais explícito!”

“- Oh! Se amas e não namoras é porque não és correspondida. E se é assim, deixas de amar, simples!” (by Rapariga dos cabelos cor-de-rosa, óbvio)

(Eu e o Hugo reviramos os olhos).

“- Exacto, exacto. Adianta contradizer-te? Tão madura numas coisas, tão infantil noutras… Enfim! Mas lá que é difícil de decidir, isso é! Quando amas e és correspondida, achas que é, definitivamente, a melhor coisa do Mundo. Quando não és, achas que não há nada pior que o amor.”

“- Há quem diga que os altos compensam os baixos…”

(Rapariga dos cabelos cor-de-rosa a revirar os olhos).

Eis que chega a dona Anabela, os croissants com chocolate interrompem a discussão (que estava a ser gravada pelo mp3 da Cor-de-rosa. Definitivamente, as nossas conversas davam um programa de rádio).

PS- As falas não estão identificadas com o locutor porque já nem sei quem as disse. Mais uma das minhas crises de identidade… às vezes já nem sei se sou eu ou o Hugo.

PPS- Como é que uma miúda indefesa e desprotegida como a Catarina (a dos cabelos metaforicamente cor-de-rosa) já vai para a faculdade? Bolas, crescer é uma coisa mesmo rápida! Sem ela, isto vai ter, definitivamente, muito pouca piada.