Thursday, January 31, 2008

PRAGA - Going to

Fecho os olhos e estou lá, na Ponte D.Carlos
Não é preciso mais nada, basta fechar os olhos.
A agulha com que tento inutilmente pregar o botão, traz-me de volta à realidade. A música da rádio é antiga e preenche-me o quarto. As gavetas, abertas, e vazias, fazem com que o olhar se desvie para cima da cama, onde, quietinhas e dobradas, as camisolas de gola alta convidam à divagação.
Tenho mesmo que as levar? Por mim bastava o pijama e as garrafas de vinho. E o meu candeeiro - estou com uma vontade absurda de o levar comigo! Há cor na luz, muito mais cor do que aquela que vê.
Cor, cor, cor.
Embrulho os botins e sinto o nariz frio. Sorrio. Fazer as malas é um acto de liberdade. Escrevo a última mensagem, ato o cabelo e desligo o telemóvel. Fazer as malas é mesmo um acto de liberdade.

Thursday, January 24, 2008

Toma jeito. Toma juízo.

Devolve o que me tiraste, repõe tudo, constrói de novo.
Dá-me o braço e corre comigo estrada fora, em contra-mão, empurrando pessoas, passeios e carros, e tudo o mais que nos aparecer pela frente. Leva-me a voar por cima das casas – desvia-te das nuvens, tolo, não vês que assim ficamos encharcados e temos frio?
Vamos, ajuda-me a abrir o fecho do vestido, nunca disse que era fácil mas não posso ficar com ele assim, molhado, junto ao corpo.
Vira a cara – não quero que me vejas agora, não quero que a tentação física te desvie do que realmente importa.
Vá, já podes, vesti o roupão e apetece-me dançar. Valsa? Tango? Rock and Roll? Não, não é isso: Zeca Afonso, apetece-me ouvir Zeca Afonso até me doerem os ouvidos (e é tudo o que aguento neste momento). Como é que se dança isso?! Com a alma meu rapaz, Zeca Afonso dança-se com a alma, com o corpo todo, com a mente: Zeca fervilha, é revolução bruta, forte! Dá cá a tua mão. Sente aqui, é o meu nervo do pescoço, viste? Isto sim, limpa-nos por dentro!
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Abranda, por favor, não aguento mais. Toma-me nos braços e embala-me, shiu, para trás, para a frente, para trás, para a frente, para trás… Já estou de olhos fechados e respiração normalizada? Então deita, com cuidado, a minha cabeça na almofada, aconchega-me os lençóis e arruma os teus chinelos naquela ranhura do móvel. Depois, sai, de mansinho, deixa-me um bilhete debaixo de uma chávena de café forte e uma fatia de bolo-rei ao lado. Não te esqueças da boneca Maria, quero-a sentada no sofá, de pernas-à-chinês (perpetua comigo a infância).
Não precisas de chaves, a porta está aberta. Vai à tua vida – e não te esqueças de voltar, a tua casa é aqui.

Wednesday, January 16, 2008

Não acreditamos no mesmo deus, não adoramos a mesma essência. Só isso. Eu acredito nas pessoas anónimas que passam por mim na rua. Acredito no meu vizinho, no padeiro, na mulher do carro do lixo, no costureiro. Acredito na estrela não conhecida de rock alternativo, no actor frustrado, no político calado. Acredito em todas as pessoas que não acreditam em si próprias e naquelas que, acreditando em si, não deixam de acreditar nos outros. Eu acredito na enfermeira, no homem da limpeza, no cozinheiro e na argumentista. Em suma ponto, acredito no Homem, em geral – ou, melhor dito, acredito na criança, em todas as crianças do Mundo – aquelas que, amanhã, serão professores, artistas, pedreiros, arquitectos, atletas, historiadores, senhoras e senhores de palavra e decisão.

Sim, a minha crença já sofreu muitos abalos, já me deu desilusões sérias (todos os dias, dia após dia). Mas e a tua? Não sofres quando vês alguém doente, quando vês o poder da violência de pequenos actos, quando pensas nos milhares de pessoas a morrer à fome? Não questionas o teu deus sempre que vês um cego a pedir uma moeda ou um garoto roto e descalço nas ruas da calçada? Não gritas com ele, não te revoltas, não lhe exiges que seja justo?
(Se não, devias).
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É tudo uma questão de fé, pois então. E eu tenho-a: é simplesmente uma fé agnóstica.

Wednesday, January 09, 2008

Minha querida:

A destruição iminente anda algemada com a nossa existência. Ainda assim, estamos constantemente a provocar a sorte, a atrair os problemas. A tendência para a auto-mutilação não nos dá tréguas.
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Somos frágeis, muito frágeis. Quebramos por nada, por pequenos incidentes. Guardamos uma mente de cristal num corpo de porcelana e, contra tudo o que seria razoável, passamos anos a acharmo-nos imortais. Ironicamente, são os anos em que nos provocamos, em que nos levamos ao limite. Não existe o “não poder/não dever”. A meta é o céu, antes disso somos apenas mariquinhas de saias.
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Até que, um dia, ganhamos medo. Muito medo, o medo frenético do arrependimento. Só nestes momentos é que percebemos o quão gostamos de nós mesmos (e de cá andar).
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A partir de agora, o objectivo é muito mais do que o céu: é a auto-absolvição. Marca a merda da consulta, quanto mais tarde pior.
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Sunday, January 06, 2008

Querer

Anda cá. Shss, não faças barulho, não vês que estão todos a dormir? Chega aqui à minha beira, como dizia a minha avó. (De que te ris tu? Bem sabes que tenho um fascínio por este tipo de expressões, acho-lhes piada!). Vá, anda cá. Tapa-te com este cobertor, partilha-o comigo (não o puxes tanto, não vês que assim fico com os pés de fora e tenho frio?), enrola as tuas pernas nas minhas sem que ninguém veja. Deixa as pessoas à nossa volta adivinharem que se passa alguma coisa entre nós – mas não lhes confirmes nada, é uma coisa nossa, só nossa, não precisa de andar nas bocas do mundo. Evita esse gesto – detesto que me cocem o couro cabeludo. Brinca antes com o meu nariz, gosto quando fazes isso. Podes dizer-me coisas bonitas ao ouvido, não precisas, mas podes, confesso que me agradaria. Chega-te mais, fica bem perto. Quero ouvir e sentir a tua respiração, quero tocar-te, quero acordar contigo ao lado, quero-te. Pronto, já disse, quero-te. Quero-te, quero-te. Quero-te. Não que goste de ti – não confundas as coisas, chego a detestar-te, tiras-me do sério, dás comigo em doida, irritas-me. Mas, aparentemente, és maior do que as minhas forças. Estou viciada em ti. Quero que me conheças os pormenores, quero que saibas tudo sobre mim e, ainda assim, te sintas insaciado, quero pôr-te a bater com a cabeça nas paredes, quero que não consigas tirar-me da cabeça, perseguir-te, acabar com a tua paz, destruir o teu sossego. Quero viciar-te em mim.

Pode ser?
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Tuesday, January 01, 2008

Estar (onde?)

Acordo. É de manhã, apesar do relógio me dizer o contrário. Iço o corpo, apoiada nos braços, afasto os caracóis do rosto e, enquanto isso, sinto frio, muito frio – fiz xixi na cama. Desato a chorar (mais molha, menos molha!) e deixo-me ficar, embalada no ritmo do meu próprio corpo. Há qualquer coisa que não bate certo, que não faz sentido. Estes não são os meus lençóis, este quarto não é o meu, não estou vestida com o meu pijama. Paro as lágrimas e deixo-me ficar calada, a conter soluços que me embatem contra o peito e ressoam (cá dentro ou lá fora?). Sinto-me como a Maria à beira do lago: assustada, pequena, infantil.
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Não sou daqui.
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Fotografia: http://olhares.aeiou.pt/___h_2_o___/foto1633954.html