Tuesday, November 20, 2007

Alfarrabistas

Há caixotes de livros carentes dos dois lados da rua. Livros pequenos, grandes, de lombadas grossas ou finas, bem cuidados, com folhas comidas pelo tempo e pelas traças. Os alfarrabistas olham-me, por detrás de roupas e vidas andrajosas, e percebem o meu interesse. Aproximam-se e perguntam-me: “A menina procura alguma coisa em específico?” Explico o que pretendo e eles caem-me nas mãos. São livros usados, cujas folhas já foram viradas, cujas palavras já preencheram a vida de muita gente. Sinto-os palpitar: são fragmentos de vida que ali foram deixados, através dos dedos e do que apreenderam do meio envolvente. Sinto-lhes uma certa relutância em deixar o caixote; são vividos, já viram muita coisa, tornaram-se desconfiados. Exigem, por isso, que eu os conquiste. Passo-lhe a mão devagarinho, sopro-lhes o pó, explico-lhes ao ouvido que muito me honraria sua presença na minha estante, que estou receptiva àquilo que me têm a ensinar. Abraçam-me. Pisco o olho aos alfarrabistas e deixo-lhes os trocos da carteira. Guardo os meus novos amigos no saco de papel, com cuidado. Parece-me ouvir um dos mais velhinhos dizer para o da capa azul: “Vamos passar bons momentos na companhia dela, já estava farto de estar parado”.
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5 comments:

SA. said...

Alfarrabistas^^

Lenin aka JR said...

Alfarrabistas, guardiões dos livros que insistem em não morrer, que insistem em vender o conhecimento esquecido pelos tempos.
Por momentos também eu quis ser um desses livros... ;)

Beijinhos

Anonymous said...

Alfarrabistas, aqueles livros persistentes que nunca desistem de passar o "testemunho", que neste caso é o conhecimento que possuem e que transportam ao longo do tempo.

PS: Gostei tanto da nossa conversa. Já tinha saudades. Não posso passar tanto tempo sem falar contigo, nem que seja por poucos segundos.

Beijinho*

Tiago Ramos said...

Está tão bom, Luísa. Agradou-me a recordação dos alfarrabistas.

Luisa Oliveira said...

Sarinha - Sim, eles ^^

João - Os livros, sempre os livros :)

Zé - E eu, e eu. Não podemos deixar que se volte a passar tanto tempo. Quer queiramos quer não, dia 22 ainda está longe demais ^^

Tiago - Ainda bem :) Obrigada