Friday, December 21, 2007

Cavalinho

De tempos a tempos, sinto uma súbita vontade de andar de triciclo. Subo ao sótão, transporto-o escada a baixo e sento-me nele, de olhos fechados. Roo as unhas até ao sabugo (latejam, latejam!) e deixo o tempo voltar para trás, em câmara lenta. Não gosto de tudo o que foi a minha infância – ainda assim, sinto uma falta terrível da minha visão do mundo. Agora, cresci e, paralelamente, cresceu também o desencanto. O triciclo é o meu elo de ligação com o passado. Transporta-me para o tempo em que os prédios eram monstros altos, em que existiam fadas, em que com ervas do campo todas as doenças eram curáveis e em que as luzinhas da árvore de natal eram mágicas.
É preciso ver que, nesse tempo, o meu triciclo era muito mais do que um brinquedo de plástico: na verdade, ele era um cavalo. Ou, melhor dito, um pónei. A minha capacidade de transformar a realidade era tão grande quanto a destreza dos meus dedos no que tocava a desmanchar tranças. Era só começar: a partir daí, quase nem me apercebia do que estava a acontecer.

Gostava de voltar a ter essa capacidade. Sinto-me roubada pelo crescimento: está-me a tirar muito mais do que o que me dá. Ou, talvez, as minhas expectativas de criança fossem muito elevadas. Seja como for, sinto falta. E as minhas pernas já não cabem no triciclo: o pónei, felizardo, é da Terra do Nunca – não cresce – e já mal aguenta o meu peso.

Fotografia: http://olhares.aeiou.pt/part_child_half_me/foto1639897.html

7 comments:

Tiago Ramos said...

Eu também adorava o meu triciclo. Às vezes sinto saudades do infância roubada.

Anonymous said...

Já falamos do que é e foi para nós a infância e mais uma vez digo é o momento da minha vida do qual mais sinto saudades!

Ana! Desculpa não ter ido ao encontro, mas não conseguia mesmo. Sinto-me tão mal que nem imaginas! Pensei em vós todo o santo dia e nos momentos que perdi com vocês. Agora resta-me esperar por novas oportunidades!

PS: Porque é que eu nunca tenho sorte?

Adoro-te!

Raquel Costa said...

porque é que nos roubam a infância sem darmos conta? porque é que nos tiram aos pedacinhos cada elemento da infância e deixam apenas a recordação ? é tao triste sabermos que o que vem depois do depois é sempre pior, saber que caminhamos a passos largos para uma certeza tão aterradora. o que nos conforta é esse caminho feito de bom e mau, em que esperamos sempre mais de bom. e depois o que de melhor se leva é sem dúvida a infância que nos deixa tantas saudades que por vezes temos aquela súbita necessidade de revelar a criança que existe em nós e que nunca morre.


adoro te meu amor !

Rosa dos Ventos said...

No sótão da casa grande há um cavalinho de madeira que galopava e levantava voo mais alto do que uma pomba!
Espero que ele possa voltar a galopar!
Um abraço grande e natalício

Joana said...

nos prédios altos ainda existem fadas, sabias? :)

Anonymous said...

Imaginar-te num triciclo deu-me um grande sorriso para ser honesto... Fez-me rir para ser honesto, principalmente porque depois imaginei-me a mim no triciclo, tás a ver o que quero dizer? ;D
Crescer não é assim tão mal, percebes melhor as piadas que te contam para começar, além disso, ver as ironias da vida, é doce demais para mim para querer voltar atrás no tempo
Bjs

SA. said...

pois...
lá está.

um dia crescemos, sentimo-nos como a Wendy:
uma porca traidora que se deu ao desplante de crescer

*suspiro*