Saturday, June 30, 2007

Dificuldades de afirmação

“Falhámos a vida menino!” (“Os Maias”, Eça de Queirós)

Eu ainda não tenho idade para ter falhado grande coisa, diriam alguns. Aos 16 anos (quase 17), é-se demasiado novo quer para o sentimento conformista que a frase entre aspas implica, quer, vendo as coisas por outro lado, para já se ter “vencido (n)a vida”. No fundo, este meio-termo que comummente apelidamos de adolescência, não passa, aos olhos de parte da sociedade, de um compasso de espera. Com caras de palermas alegres, temos mais é que ir observando e aprendendo, ao mesmo tempo que aguardamos a nossa vez de dar/deixar (ou não) ao/no Mundo o nosso punho e contributo pessoal.

Há uma série de coisas que temos que aprender e interiorizar antes de nos transformarmos em “nós”: como se a nossa essência estivesse congelada cá dentro, há espera do momento oportuno para entrar em ebulição e “sair da toca”. Ora se espera muito de nós, ora somos ignorados. Na verdade, nunca cheguei a perceber muito bem o que pretendem: o nosso Mundo é, a muitos níveis, mais complexo do que o dos nossos pais, pelo que é, à partida, mais difícil ser-se jovem nele. Pressão (de todos os lados e de todas as formas), opressão, ansiedade and so on. As dificuldades são conhecidas, pelo que não me arriscarei a perder a vossa atenção (?) ao enumerá-las exaustivamente. No entanto, ao mesmo tempo que as notas na pauta chegam a ser seguidas com a atenção doentia de quem vê e analisa rankings de escolas, e, paralelamente, nos vão perguntando “o que/ quem queres vir a ser?”, obrigam-nos a espreitar por cima do ombro dos pais para tomar parte nas “conversas de adultos” que estão a decorrer em círculo fechado.

Ser adolescente é uma fase de transição. Mas é uma fase que existe, que é real e que tem um presente. Caracteriza-se pela ânsia de um futuro que se adivinha próximo e pela forma dúbia com que nos encaramos a nós mesmos mas também pela maneira pouco concreta como somos olhados. Nem na fase adulta as coisas são lineares: somos sempre seres mutáveis, Górgias muitas das vezes, em transformação constante.
“Vocês são o amanhã”. Muito obrigado mas “o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em pedaços ao chão” (“On being human”). Atrevamo-nos, por isso, a ser o hoje. Sem pretensões de invadir o espaço de ninguém, obviamente…

Nota: Claro que este pequeno texto é muito geral. E tem contexto próprio. Há quem cultive a situação inversa: mas talvez não sejam “adultos crescidos”. E, talvez por isso, alguns deles tenham quase tantas dificuldades de afirmação como nós…

8 comments:

Joana said...

claro que não, mas um pouco de drama fica sempre bem, não? assim ao nosso estilo. eheh.

Ana said...

falhámos leva um acento no segundo "a" =P

Luisa Oliveira said...

Erro corrigido. Merci =)

Rosa dos Ventos said...

A tua nota deu a "estocada" final (ou fatal?)ao texto que tão bem elaboraste.
Bisous...

Lenin aka JR said...

Nem todos os adultos conseguem afirmar-se e muitos ainda nem encontraram a sua essência.
Alguns ainda andam à procura e vão continuar a andar porque, pura e simplesmente, não sabem onde procurar.

E como tu dizes, ou se espera muito de "nós" ou somos ignorados. Por vezes acontecem as duas coisas. Depende das expectativas das pessoas que nos acompanham. Espera-se muito mas nem sempre se reconhece aquilo que é atingido (ou para nos obrigar a continuar a lutar ou por medo de que possamos fazer sombra ao atingir um estágio de desenvolvimento superior). Por isso é que as conversas de adultos são sempre "à porta fechada". Acham que ainda somos crianças para participar mas por outro lado têm medo que nos possamos sobrepor.

Por isso vive a tua adolescência. Aquilo que tiver que acontecer, aquilo que houver para interiorizar, será no seu devido tempo. Há coisas que têm o seu tempo para acontecer. Não se deve crescer demasiado depressa.

Tiago Ramos said...

É o que no estudo da psicologia se chama "Moratória psicossocial"!

Bartolomeu said...

Extaordinário sentido de observação, mocinha. Se eu tivesse uma filha acho que iria ficar satisfeitíssimo se ela utilizasse a massa encefálica do mesmo modo que tu. Este texto fez-me recordar o tema do Rui Beluoso, "ser jovem não é um posto". Mas é importante e produtivo utilizar com inteligência este periodo tão marcante das nossas vidas. Áquilo que escreveste, pouco mais tenho para acrescentar, somente uma coizinha que de tão ínfima, pode parecer sem interesse, mas que, pelo contrário, determina o conhecimento do futuro. Essa coizinha é tão simplesmente, perguntar. Perguntar é um exercício de extrema utilidade e que nos permite construir, para além da opinião, o conhecimento. Conforme vamos crescendo, por razões que a razão por vezes desconhece, perdemos o habito de questionar, por vergonha, por auto-convencimento (ah eu já sei isso)ou por não reconhecermos na outra pessoa, capacidade para nos dar a resposta que desejamos. Tão ou mais importante que questionarmos alguém, é também questionarmo-nos. Conhecermo-nos íntimamente nos nossos desejos, através da rectrospectiva daquilo que têm sido as nossas opções de vida, é também uma parte do caminho que conduz ao nosso destino.
Assim Minha amiga Luisa, deixo-te com este pensamento... Uma vez que nos falta ainda um longo caminho a percorrer, cujo ignoramos completamente, precisamente porque sabemos que ele senos apresentará de modo imprevisível, porque não, questionar aqueles que já trilharam uma parte dele?
:)*

Luisa Oliveira said...

Tiago: É sempre bom enriquecer o vocabulário e aprender que aquilo que sentimos tem nome, que não é apenas um emaranhado de emoções. Obrigado =)

Bartolomeu: Antes de mais, obrigado (estou com um sorriso de orelha a orelha). Não é um pormenor tão pequeno quanto isso. É uma questão importante: e eu gosto de perguntar, principalmente aos "adultos não crescidos", porque já tendo vivido mais do eu, não se transformaram em seres que por vezes parecem de outro planeta (ou serei eu de outro planeta?).
Porém, perguntar nem sempre é fácil. E também o não é conhecermo-nos a nós mesmos. Mas não posso concordar mais em como são duas das actividades mais importantes da vida. Devia ter eu os meus 10 aninhos quando uma das pessoas mais importantes na minha formação (uma professora) me ofereceu um livro do Jostein Gaarder intitulado "Olá! Está aí alguém?". (Calma, já explico o que é que isto tem a ver!). Acontece que neste livro o pequeno ET imaginário fazia uma vénia sempre que o Joakim (uma criança de oito anos) fazia uma pergunta. Quando questionado acerca do porquê das vénias às perguntas e da indiferença às respostas, o ET respondeu: "Uma resposta é o caminho que deixaste para trás. Só uma pergunta pode apontar para diante".
:')

Obrigado a todos! =)