Saturday, October 27, 2007

Descaminho

A água superficial do lago, aquecida pelo Sol, debatia-se com a profunda, fria, numa relação de amor-ódio invisível que resultava numa corrente fortíssima. A Maria debatia-se com os remos, ele com os braços.

O estouro físico da corrida e do desmaio, aliados ao esbracejar frenético, transformaram-se numa bola de ferro presa aos pés dele. A Maria percebe e, com a cara pintada de branco pelo medo, voa a ajudá-lo. Desprende o metal pesado, deita-o no barco e dá-lhe água a beber, com calma. Ele tosse e vomita um líquido viscoso que se mistura com a água dela, formando um elixir perigoso de sujidade diluída.

Ao acordar, sente-a. No mesmo instante, atira-a borda fora e pressiona-lhe a cabeça, com toda a força que a reanimação lhe entregou. Deixa que as lágrimas do lago lhe invadam o cérebro e despeja-lhe o elixir perigoso sobre o coração. Emprega aquilo que nunca será neste momento, privando-se, ao mesmo tempo, de sentir qualquer emoção. Dando-a como morta, deixa o corpo bonito a boiar na água aparentemente calma e deita-se no barco, a dourar o rosto e as pernas e descansar os braços.

4 comments:

Lenin aka JR said...

Trágico. É só o que posso dizer...

(Gostava de "falar" contigo. Passa-se alguma coisa?)

Beijinhos
JR

SA. said...

(Private joke[ou talvez não tão privada assim])
Sempre me pareceu perigoso despejar o que quer que fosse sobre o coração.
Sempre.^^

Joana said...

descansado?

Luisa Oliveira said...

João - Espero q o meu email já tenha chegado :) Sim, verdadeiramente trágico. Mas eu gosto de finais felizes (e mais não digo, fica atento!)

Sarinha - Também me parece, oh, se parece!

Ju - Ele? Não sei, só conheço o que a Maria me conta (e, portanto, só sei o lado dela). Mas sim, parece-me bem que sim. Sinceramente, o fulano enerva-me!