Saturday, October 14, 2006

Eu e tu: Nós

Imagine, caro leitor, que ia descontraidamente pela rua, a pé, a caminho do emprego. Saiu de casa um pouco antes da hora, pelo que escusa de ter pressa. Cruza-se, naturalmente, com várias outras pessoas na mesma situação. Mal olha para elas: é a rotina, é o seu caminho diário, percorrido num passo marcado, olhando para o relógio de 5 em 5 minutos (gesto quase automático na nossa sociedade, mesmo aquando do uso da palavra “descontraidamente”), ou falando ao telemóvel com a mulher/marido com quem esteve nem há 10 minutos (que é, aliás, a média do tempo que passam juntos durante o dia), combinando quem é que vais buscar os filhos à escola.
Imagine, que fazia metade do caminho atrás de duas jovens de 16 anos, ambas aparentemente normais. Estranhava? Claro que não, provavelmente nem interiorizava o facto. Podia até tentar uma ultrapassagem ou acusar alguma expressão verbal desta juventude que todos dizem perdida. Mas não se perguntaria sobre a vida delas, se gostam ou não de estudar, se são felizes, se têm namorado e por aí adiante. A verdade é que nem ponderaria acerca da vida que aquelas duas jovens, para quem mal olhou, têm por detrás daquelas risadas que dão no meio da rua, daquela roupa com cores exuberantes que se usa agora, daquelas unhas pintadas de prateado, daquela mochila que se adivinha carregada de cadernos e livros da escola.

Imagine agora que ao seu lado caminhava alguém conhecido que comentava alguma coisa acerca das raparigas. “São filhas de fulano tal, diz-se que fazem tal tipo de coisas...” Bastaria isto para a sua mente formar uma opinião. Já não são duas simples raparigas que vão à sua frente no passeio. Afinal, “são filhas de fulano tal e diz-se que fazem tal tipo de coisas”.

Imagine, caro leitor, que em vez disto, tinha visto estas mesmas raparigas, por acaso, a brincar com bolhinhas de sabão no meio do jardim. Uma fazia-as, com um aqueles tubinhos que têm uma argolinha de plástico para onde se sopra e a outra corria atrás delas, rebentando-as com visível prazer. Uma situação de simples prolongamento da infância. Das duas uma: ou o leitor é uma pessoa agradável e de espírito aberto (e neste caso pensaria apenas “que bom que é ver pessoas felizes”) ou então, e peço desde já desculpas, é um retrógrado que acha que só as crianças pequenas é que têm direito a brincar (“Não terão nada para estudar? Esta juventude está cada vez mais atrasada… Cambada de gente maluca!”).

Imagine, desta vez, que as via a pedir um horário, claramente de um rapaz, a uma funcionária da escola.
“ _ Senhora Funcionária, tem que nos fazer um imenso favor… Acha que podíamos ver o horário da turma X?”
Ou então, em cima de uns baloiços, com uns binóculos, a observar esse ou outro rapaz. Ou a discutir qual seria a melhor forma de o abordar (“_ Deixo cair os livros ao pé dele? Pergunto-lhe as horas? Peço-lhe dinheiro?”). Ou a subir as escadas do pavilhão da escola, numa correria digna de medalha olímpica, para não o perder de vista.
O que pensaria nestas situações? Provavelmente qualquer coisa dentro do género “no meu tempo não era nada disto”, num tom que pode ir da melancolia à censura.

Imagine, só para acabar, que as via a discutir uma proposta de lei, a apresentar no Parlamento dos Jovens (Jogo da Cidadania). Meninas interessadas por política. A falar com um certo brio, convicção, entusiasmo. E agora? Ia gostar, não? Ainda há alguns jovens que se safam, que percebem alguma coisa do mundo que os envolve.

Imagine que eu chegava aqui e dizia simplesmente: “Há duas jovens de 16 anos que têm apenas um tema de conversa (tirando os outros todos), caem a andar de baloiço e são um bocadinho estranhas demais para o conceito de normal. Mas são felizes, no geral, passam uns bons bocados juntas e riem que se fartam”.
E agora, diga-me você, caro leitor, que ideia tem destas jovens?

Tuesday, October 10, 2006

8.30 da manhã

Primeira hora da manhã. Uma soneira incontrolável. Cheguei à aula, atirei a mala para o chão com um encolher de ombros completamente conformista, sentei-me sem tirar o casaco e saquei do dossier, só para não perder aquele ar de aluna aplicada com vontade de aprender.
Deitei metade do corpo em cima da secretária (o corpo todo, que era aquilo que dava vontade, também era capaz de ser um bocado demais), pus a mão à frente da boca a disfarçar um bocejo, apoiei o cotovelo na mesa e a cabeça na mão e preparei-me para deixar o espírito vaguear, centrando-se em tudo menos na aula (não convém é dizer o nome da disciplina), desculpando-me mentalmente com o típico slogan “tenho tarde livre, depois revejo isto tudo em casa e amanhã estou pró na matéria”. E comecei a tal actividade acima referida, acenando de tempos a tempos com a cabeça, para dar a tal ideia da aluna aplicada, intercalando os acenos com um “sim, sim… tem razão” e um sorriso triste ou divertido, consoante a expressão do/a professor(a).
Estava eu a meio do processo, quando sem me aperceber começou uma guerra acesa na minha cabeça. Entre o meu lado bom (sim, porque eu também tenho algures um lado bom) e o mau. Alegoricamente, o meu Anjinho e o Diabinho. Com o Diabo do lado direito, é bom deixar claro.Seguiu-se um diálogo francamente anómalo:
“Francamente Ana! É uma oportunidade fabulosa, esta de aprender, e sabes bem que há milhões de meninos no Mundo que davam tudo para a ter. Não tens vergonha?” _ Anjo
“Não tenhas! És adolescente, está na tua natureza sonhar acordada. Além disso, estudas em casa e tiras as dúvidas na próxima aula, qual é o problema afinal? Não é crime ter sono, que eu saiba…” _ Diabo
Sorriso reprovador do Anjo: “Esforça-te lá um pouco! Os teus pais e professores acreditam em ti e estão a fazer tudo ao seu alcance para que sejas bem sucedida. É importante estar com atenção, sabes que em casa não aprendes tão bem…”
Gargalhada irónica do Diabo: “ Que drama tão grande, é só uma aula, não vais reprovar o ano por isso! Sonha lá um bocadinho rapariga… Não deixes que ele (o Anjo) te deixe levar a vida tão a sério. Tens tanta coisa para imaginar…”
Os argumentos caíam como que em catarata. De tempos a tempos o Anjo ajeitava a auréola, como se esta fosse um aparelho de comunicação e a frequência estivesse baixa, lançava-me um sorriso de censura, puro e sem pecado original à vista e ajeitava as asinhas, tão brancas que só mesmo com Neoblanc… O Diabo, sacana por natureza, com a típica forquinha afiada que lançava raios vermelhos ao Anjo (que ia voando de um lado para o outro, para escapar, em vez de investir também), sorria para mim como que a dizer “Ah marota!” e a abanava a cabeça em jeito de aprovação. E eu sentia-me perdida entre os dois. Limitava-me a ouvir, a olhar de um lado para o outro e a concordar com um até ouvir o outro e mudar de opinião.
Estive assim, entre lá e cá, entre o Céu e o Inferno, até ouvir o professor(a) dizer: “Bem, está na hora. Podem arrumar e sair. Não se esqueçam de rever a matéria em casa”.
.
A verdade é que me senti frustrada. Por causa daqueles dois imbecis, em 90 minutos não fiz absolutamente nada. Nem sonhei em condições (aqueles sonhos que uma adolescente deve ter, estes absurdos não contam) nem ouvi a matéria.

Thursday, October 05, 2006

Operação Deletar

Tinha o dedo encostado à maldita tecla. Ela, não eu. E encontrava-se naquele impasse terrível do “carrego ou não?”.

Carregou e aquilo “foi tudo pelos ares”. Sumiu, deu de frosques. O que uma simples tecla pode fazer! Com um simples dedinho tinha-se livrado de tudo. TUDO!

Operação deletar concluída com sucesso!

Eu deleto
Tu deletas
Ele deleta
Nós deletamos
Vós deletais
Eles deletam

Novo verbo. Uma questão de neologismos, a língua não está parada nem morta.

Mas depois, quase logo, lembrou-se que ainda estava tudo na reciclagem!

Tuesday, October 03, 2006

Sequência de vida

“Se não me largares agora, chego a casa tarde e não tenho tempo de estudar História, tiro má nota no teste, não entro na Universidade e quando der por mim estou na caixa do Intermarché a comer chocolate, fico gorda e deprimida, não faço bem o meu trabalho e sou despedida”.

:S
PS- Confessem, esta sequência já é quase uma lenda (ia para dizer mito mas depois apercebi-me do fundo de verdade disto tudo…)

Mas vocês só querem aquilo que não podem ter?

Quando se pensam nos amigos, pensam-se nos bons momentos que se passam com eles. Foi isso que aconteceu agora. Em vez de estar concentrada no Antigo Regime e nas monarquias absolutistas, deu-me para dissertar sobre uma coisa que me disseram há uns tempos, quando estava a falar com umas amigas sobre um actor conhecido (aquelas conversas parvas e boas que se têm na adolescência e deixam os rapazes do grupo sem saber sobre o que falar): “mas vocês só querem aquilo que não podem ter?”.
Bem, somos assim, não é? Não queremos só o que não podemos ter, mas chegamos a querer muito aquilo que está, realisticamente, fora do nosso alcance. É por isso que criamos ídolos, que sonhamos desmedidamente, que fantasiamos sobre coisas que nunca contaremos a ninguém. Não são objectivos: nem sequer ambições. E também não é realmente aquilo que queremos. Mas sabe bem imaginar uma vida que não é a nossa: afinal, quem não gostava de viver várias vezes? Não podendo, ao menos vivemos “outras vidas” nas asas da imaginação…

PS- Mas sim Catarina, casava-me com o homem! =)