Wednesday, May 17, 2006

Libertação (José Régio)

Menino doido, olhei em roda, e vi-me
Fechado e só na grande sala escura.
(Abrir a porta, além de ser um crime,
Era impossível para a minha altura…)

Como passar o tempo?... E diverti-me
Desta maneira trágica e segura:
Pegando em mim, rasguei-me, abri, parti-me,
Desfiz trapos, arames, serradura…

Ah, meu menino histérico e precoce!
Tu, sim!, que tens mãos trágicas de posse,
E tens a inquietação da Descoberta!

O menino, por fim, tombou cansado;
O seu boneco aí jaz esfarelado…
E eu acho, nem sei como, a porta aberta!

Este soneto começa com a descrição de um situação de solidão. Descrve-nos a existência do "menino" frágil, pequena e impotente. Ao tentar conhecer-se a si mesmo, o ser humano encontra exactamente essa pequenez, esse ser miserável e vulnerável que é, sem grande valor.
Porém, o menino que há em cada um de nós, tem também uma enorme “inquietação da Descoberta”. E os sonhos, conjuntamente com essa vontade de saber e conhecer mais, de ir para além do que se conhece, é a nossa grandeza.
Em suma, este poema representa a ambivalência que marca a existência humana: a solidão e a pequenez em contra ponto com a vontade de descoberta, a ânsia de sair de si mesmo.
(José Régio é um dos meus poetas favoritos. Postarei em breve o Cântico Negro, poema que o tornou conhecido. Não o faço hoje porque ainda não descobri como é que se põe ficheiros de música e queria que ouvissem a declamação do Villaret. Até lá, apreciem este!)

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