Saturday, April 12, 2008

Ensaio

A Maria acordou com o silêncio e com o desconforto que se sente quando já se está habituado aos olhares esguios dos outros e, de repente, se passa a ser uma pessoa normal. Esfregou o rosto, ensonada, passou a mão pelos caracóis e sorriu para o Velho (que retribuiu). Só depois é que reparou nos outros: naqueles que, durante o seu descanso, se haviam sentado ao longo do prédio e conversavam animadamente uns com os outros. Bem, nem todos, é preciso dizê-lo. Havia quem permanecesse absorto a tudo, a fixar um ponto não definido. O mais estranho do cenário, porém, nem era isso. Era a multiculturalidade. As diferenças. Ricos, pobres, deficientes, afectados, de todas as nacionalidades, de todas as cores, de todas as idades, de toda a gente. Sim, de toda a gente – não a gente toda mas de toda a gente.
A Maria, com as mãos em concha, perguntou ao ouvido do Velho:
“- O que é que se passou aqui?”
“- Nada de especial, pequena. Esta gente estava cansada e sentou-se.”
“- Assim do nada, lembraram-se?”
“-Assim do nada não – a vida cansa, desgasta-se. Por vezes temos que nos dar tempo. Percebeste?”.
Ela acenou que sim. E percebia. Tanto que, para o provar, tocou no ombro do adulto jovem que estava sentado ao seu lado esquerdo e, quando ele virou a cabeça com uma expressão interrogativa, lhe perguntou:
“- Ainda acreditas que podemos mudar o Mundo?”.
Ele piscou-lhe um olho e respondeu:
“- Por algum motivo estou aqui sentado. Está na hora, é?”
“-Está sim. Vamos?”
E levantaram-se, apoiando-se um ao outro.

5 comments:

Lenin aka JR said...

:)

Se precisares de ajuda para mudar o mundo, nem que seja só um bocadinho, mesmo pequenino, podes sempre tocar-me no ombro...

Beijos,
João

Raquel Costa said...

as maiores mudanças começam dentro de nós próprios e se o fizermos, nem que seja por individualismo, o passo seguinte será o contributo para o todo que somos nós e os que nos rodeiam...

ainda podemos mudar o Mundo?

sim, querida...mudamo-lo todos os dias, uns mais do que outros, mas mal ou bem, mudamos.

Adoro-te

Anonymous said...

Malditos crepes!! Os tais que foram quase todos, devorados por individuos Fatimenses! Alguma vez nos vais perdoar?

Luisa Oliveira said...

João - Tu mudas o Mundo todos os dias rapaz, precisas lá que te toquem no ombro! Um abraço.

Raquel - Tens toda a razão, minha querida. Nem que seja por "egoísmo ecológico" (lembras-te desta?). E tu és um exemplo daquelas pessoas que não se contentam em o mudar só um bocadinho.

Fatimense - Ahah, eu não posso acreditar! Como é que eu não cheguei lá? Primeiro em casa da Sara, depois em Gouveia, agora aqui. Muito bem, muito bem. Influências do senhor Rito, hem? Quanto ao perdão, se verá numa próxima ocasião: não é nada bonito deixar meninas com fome! Um abraço :)

Anonymous said...

saudades . continuo a ler . <3