Sunday, February 17, 2008

Há cá coisas.

Há cá coisas que não me entram na cabeça nem me deixam respirar em condições – há cá coisas. Há cá coisas que não fazem sentido e me apertam toda, me apertam toda porque não são úteis, nem práticas, nem coisa nenhuma, nem coisa nenhuma porque também o não têm de ser, não têm de ser mas são sem serem nada.
Há cá coisas que me agitam e me mortificam ao mesmo tempo – porque, não sendo nada, são detentoras de mais existência do que aquelas outras coisas que apertamos entre os dedos e encostamos à cara – e, essas, sabemos porque não somos loucos (ou porque o somos, tanto faz para o caso), são reais – tão reais que perdem mistério e magia e deixam, se não de ser reais, pelo menos de ser interessantes.
Há cá coisas que não merecem atenção – têm-na sem pedir licença. E mesmo que eu lhes diga “saiam daqui, não gosto de vocês, não vos quero e tenho dito!” ou, em voz doce e cantarolada “vá lá, não me importunem mais, vamos ser felizes cada qual à sua maneira”, não saem, não se vão embora, não me dão espaço, não me dão paz. Continuam vivas e em actividade, mesmo que eu as ignore e lhes feche as janelas com cortinas opacas. São teimosas, são rebeldes, são insolentes até! E dão-me cabe do juízo – mas o dia delas há-de chegar, à se há-de!
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Há cá coisas. Há cá cada coisa.
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Tuesday, February 12, 2008

Praga - there.


(Num sussurro)

“- Fecha os olhos. Não, espera, antes disso quero que guardes a imagem de Praga à noite, vista da varanda do Castelo. Não sabes onde fixar os olhos e não consegues que eles abarquem todos os pormenores? É normal minha cara, é mesmo assim.
Vamos, fecha-os agora. Eu levo-te Escadas Douradas abaixo, uma a uma. Vamos, vamos! Deixa que a cidade entre em ti.
Chegámos à Ponte Carlos. Permanece de olhos fechados – e não vale a pena teres medo. Eu sei que o ambiente tem qualquer coisa de kafkiano, chega a ser místico e um pouco tenebroso – porém, belo.
Perguntas se as estátuas estão a apontar para ti? Evidentemente! Estão agora à tua volta, sempre a apontar. Deixa que te circundem, sempre sem medo (da tua parte). Todas elas são o retrato de santos que, mesmo que um dia tenham existido, nunca foram humanos e, portanto, não percebem que o que exiges de ti é tão ou mais transcendente do que a sua incontestável divindade.
Deixa-te estar e ouve a música. É Vivaldi, sim. Consegues perceber quantos violinos? Doze, nem um a mais, nem um a menos.
Abre o peito e deixar sair o sentimento que a Música Clássica te transmite. As estátuas estão a voltar para os seus lugares, venceste-as. Vão ficar aqui, onde sempre estiveram, a guardar o rio e atormentar turistas que nem se aperceberão da origem da súbita agonia.
Parece-me que chega, por hoje. Desperta todos os sentidos, vamos voltar à Portela.”